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Desencadeamentos Modernizantes na Cadeia Produtiva de Cana-de-Açúcar nos Anos 2000
                    
             No 
ano de 1989, o preço do barril do petróleo atinge preços baixíssimos e a cotação 
do açúcar sobe no mercado internacional: é a crise de abastecimento do 
álcool1. Os consumidores passam a preferir os carros a gasolina, pois 
estes começam a apresentar preços relativos melhores: os usineiros direcionam 
seus investimentos para a produção do açúcar. Com essa queda da demanda do 
etanol, no decorrer da década de 1990, destilarias autônomas interromperam ou 
diminuíram muito suas produções. Assim, entre as safras 1990/91 e 2001/02, 
reduziu-se a quantidade de agroindústrias em funcionamento no setor 
sucroalcooleiro nacional, de 394 para 306, respectivamente2. Com a 
desregulamentação do setor (com o fim dos subsídios), uma reestruturação 
produtiva é iniciada.              
Aumentaram-se as escalas de produção das unidades agroindustriais – com a 
capacidade média de suas produções tendo quase dobrado3-, e tendeu-se 
a permanência somente dos grupos mais capitalizados. Nos anos 2000, a introdução 
da inovação do carro flex-fuel (gasolina e álcool), que permite ao 
consumidor escolher qual a melhor opção no momento do abastecimento, anula a 
hipótese de desabastecimento de álcool. A problemática ambiental acentuada pelos 
relatórios surgidos no retrato do aquecimento global, ocasionado principalmente 
pela queima dos combustíveis fósseis, e os custos relativos favoráveis ao álcool 
combustível em relação à gasolina derivada de petróleo geraram condições 
propícias para um novo ciclo de expansão da lavoura canavieira no Brasil, com os 
Estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Mato Grosso e Minas 
Gerais se firmando como os mais importantes produtores (Tabelas 1, 2 e 
3).              Neste 
processo, São Paulo chega ao final da primeira década do século XXI mantendo a 
hegemonia como principal Estado produtor, com aproximadamente 60% da produção e 
55% da área da cana-de-açúcar nacional. Com Minas Gerais, Paraná, Goiás e Mato 
Grosso do Sul, forma um cinturão de expansiva concentração no centro-sul do país 
da cadeia produtiva canavieira4.              Nesta 
região, em 2001 encontravam-se 218 unidades agroindustriais processadoras de 
cana-de-açúcar (até então 71,24% do total nacional, com a região norte-nordeste, 
localização de 88 unidades agroindustriais, representando os outros 28,76%). 
Passados dez anos, na safra 2010/11, totalizavam no centro-sul do país 352 das 
438 agroindústrias de cana-de-açúcar localizadas em terras brasileiras, ou seja, 
algo em torno de 80% das unidades. Com os 20% restantes, o norte-nordeste inicia 
a segunda década do milênio com 86 plantas beneficiadoras de cana, quantidade 
menor daquela vigente na primeira safra dos anos 20005. 

  
  
  
  
Tabela 1 - Produção da Cana-de-açúcar nos Principais Estados Produtores, 1995, 2006 e 2010
(t)
| 1995 | 2006 | 2010 | |
| São Paulo | 153.768.067 | 231.977.247 | 426.572.099 | 
| Minas Gerais | 11.812.888 | 20.140.935 | 60.603.247 | 
| Paraná | 18.442.306 | 22.177.003 | 48.361.207 | 
| Goiás | 6.659.013 | 18.179.511 | 48.000.163 | 
| Mato Grosso do Sul | 5.160.330 | 10.250.596 | 34.795.664 | 
| Alagoas | 20.545.778 | 31.835.648 | 24.352.340 | 
| Brasil | 259.801.108 | 384.165.161 | 717.462.101 | 
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo Agropecuário 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Produção agrícola municipal. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
Tabela 2 - Área da Cana-de-açúcar nos Principais Estados Produtores, 1995, 2006 e 2010
(ha)
| Estado | 1995 | 2006 | 2010 | 
| São Paulo | 2.124.499 | 2.990.211 | 5.071.205 | 
| Minas Gerais | 270.373 | 311.138 | 746.527 | 
| Paraná | 259.584 | 327.355 | 625.885 | 
| Goiás | 92.216 | 251.012 | 578.666 | 
| Alagoas | 367.452 | 583.621 | 434.370 | 
| Mato Grosso do Sul | 78.347 | 149.694 | 399.408 | 
| Brasil | 4.117.117 | 5.577.642 | 9.164.756 | 
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo Agropecuário 1995-96. Rio de Janeiro: IBGE, 1998.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo Agropecuário 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Produção agrícola municipal. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
            
Assim, no uso mais denso das inovações tecnológicas surgidas no setor 
(físico--químicas, mecânicas, biológicas e informacionais)6 no 
centro-sul brasileiro (com São Paulo na liderança deste processo), produz-se um 
pouco mais de 90% da cana-de-açúcar do país. Com uma produtividade média de 81,9 
toneladas de cana por hectare, em 2010, a cana-de-açúcar desponta como principal 
atividade agropecuária da região7. 
  
Tabela 3 – Produtividade da 
Cultura de Cana-de-açúcar nos Principais Estados Produtores, 1995, 2006 e 
2010 
t/ha
| Estado | 1995 | 2006 | 2010 | 
| Mato Grosso do Sul | 65,87 | 68,48 | 87,12 | 
| São Paulo | 72,38 | 77,58 | 84,12 | 
| Goiás | 72,21 | 72,42 | 82,95 | 
| Minas Gerais | 43,69 | 64,73 | 81,18 | 
| Paraná | 71,05 | 67,75 | 77,27 | 
| Alagoas | 55,91 | 54,55 | 56,06 | 
| Brasil | 40,07 | 44,80 | 59,24 | 
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo Agropecuário 1995-96. Rio de Janeiro: IBGE, 1998.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo Agropecuário 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Produção agrícola municipal. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
            
Dentre as inovações físico-químicas, a expansão da indústria química em meados 
do século XX alargou as possibilidades de aumento na produtividade do setor 
agropecuário. Muitos produtos sintéticos (enquanto objetos geográficos de uma 
natureza artificial) substituíram cada vez mais as matérias-primas naturais. 
Defensivos e fertilizantes são elementos desenvolvidos pela revolução 
técnico-científica, que permitiram aumentos significativos da produção no campo 
brasileiro em geral, inclusive na cultura canavieira. No que se refere às 
inovações mecânicas, o aumento da densidade de tratores, implementos em geral 
(arados, pulverizadores, grades, niveladoras, roçadeiras e outros), 
plantadeiras, colheitadeiras, veículos utilitários, equipamentos de irrigação, 
sistemas de armazenamento e escoamento da produção, etc. reduziu o tempo de 
trabalho do ciclo produtivo da atividade, o que também aumentou a produtividade 
da lavoura. Já as inovações em biotecnologia, com o surgimento e aprimoramento 
de variedades mais produtivas de cana-de-açúcar desenvolvidas historicamente, 
principalmente pelo Planalsucar e o Centro de Tecnologia da Cana (CTC) do 
Instituto Agronômico (IAC), também contribuíram em muito na evolução da 
produtividade agrícola do setor. 
  
            Todas 
estas inovações tecnológicas surgidas vêm anexadas por programas 
computadorizados que disponibilizam um controle preciso das informações de todo 
o processo de produção. Na agricultura, com o aparecimento de tecnologias 
informatizadas, como os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) e de 
rastreamento via satélite, iniciou-se uma revolução no gerenciamento e no 
monitoramento das operações nas lavouras e nas fábricas agrícolas. Com o advento 
do Sistema de Posicionamento Global (GPS), acoplado às maquinas do campo – 
tratores, plantadeiras, colheitadeiras, aviões e outras –, os agricultores 
recebem informações por satélites de metro a metro das glebas, com relação a 
tipos de solo, fertilidade e produtividade. A decisão sobre a melhor alternativa 
para o gerenciamento localizado da cultura é feita com a utilização de programas 
(de geoprocessamento) específicos dos SIGs, os quais fornecerão como produto 
final mapas com todas as características da variabilidade espacial das glebas. 
Esse novo conteúdo técnico-científico disponível na estrutura agrária do Brasil 
e do mundo configurou-se no que se chama de agricultura de 
precisão. 
  
            O 
setor canavieiro no Brasil vem reestruturando sua cadeia produtiva no que se 
refere à informatização de todos os processos das atividades do setor, desde a 
utilização dessas tecnologias de precisão no campo, até a automação de toda a 
planta da usina. Contudo, segundo o grau de capitalização, há a existência de 
diferenciações na estrutura produtiva do setor entre aqueles atores que estão 
capacitados tanto para realizar (ou não) as atividades mais mecanizadas, quanto 
para fazer uso das tecnologias de informação que possibilitam um controle 
preciso do processo produtivo8. 
  
            No 
que se refere à automação industrial, as inovações e o controle dado pelas novas 
tecnologias da informação permitiram uma evolução muito grande dos indicadores 
tecnológicos das plantas fabris do setor canavieiro nos últimos 30 anos (Tabela 
4). 
  
Tabela 4 - Indicadores Tecnológicos da Agroindústria Canavieira, Brasil, 1997 e 2005
| Etapas do processo | 1975 | 2005 | 
| Capacidade de moagem (t/cana/dia) | 5.500 | 13.000 | 
| Extração (%) | 93 | 97 | 
| Tempo de fermentação em bateladas (horas x dornas) | 24 | 4–6 | 
| Eficiência de fermentação (%) | 80 | 91 | 
| Teor alcoólico do vinho para destilação (GL) | 8 | 10 | 
| Eficiência de destilação (%) | 98 | 100 | 
| Recuperação geral na produção de álcool (l/t/cana) | 66 | 86 | 
| Consumo de vapor na destilação (kg/l) | 3 | 2 | 
| Eficiência das caldeiras (%) | 66 | 87 | 
| Sobra de bagaço (%) | até 8 | até 78 | 
Fonte: COSTA, R. C. Mitigação de riscos e ampliação de retornos: aplicação dos conceitos de fronteira eficiente de Markowitz e de carteira alavancada ao setor sucroalcooleiro. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 29, p. 37-76, mar. 2009.
            Este 
processo de evolução da produtividade industrial se deu (como na área agrícola) 
principalmente pela utilização de equipamentos de controle microeletrônico 
acoplados a softwares informacionais que aumentaram a eficiência do 
processo produtivo agroindustrial. Completa-se esta lista de inovações 
estruturais na área industrial com as classes de equipamentos térmicos, 
hidromecânicos/hidráulicos e eletromecânicos. Unidas à modernização no sistema 
de carregamento e transporte da cana-de-açúcar, configuraram-se sistemas de 
engenharia que aumentaram o raio médio de captação e influência das unidades 
agroindustriais nos lugares de sua atuação. 
  
            São 
configurações que desencadearam novos conteúdos ao espaço geográfico do Brasil 
agrícola, e que têm capacitado o setor sucroalcooleiro nacional a continuar na 
dianteira do processo de modernização da produção de açúcar e álcool. A fluidez 
gerada por estas inovações e as demandas que estas passam a requisitar 
principalmente nos elos de escoamento dos produtos finais (como a construção de 
terminais ferroviários, reformulações de portos e hidrovias, instalação de 
alcoodutos e outros equipamentos) são os gargalos mais desafiadores que os 
grupos empresariais e o poder público têm se atentado bastante na busca de se 
obter redução de custos e aumento da competitividade da economia 
setorial. 
________________________________________________________________________ 
1No começo da década de 
1980, o preço do barril de petróleo sai da casa dos US$60, fruto do segundo 
choque de oferta em 1979, e chega a menos de US$30 em 1989. Já o açúcar refinado 
parte de um valor em torno de US$0,05 (a libra) na primeira metade dos anos 
1980, e atinge quase US$0,25 no ano de 1989.SILVA, M. V. G. Previsão de 
preços de etanol no mercado doméstico e internacional. 2009. 113 p. 
Dissertação (Mestrado em Economia) - Faculdade de Economia e Finanças IBMEC. Rio 
de Janeiro, 2009. 
2BACCARIN, J. G.; GEBARA, J. J.; FACTORE, C. O. Concentração e integração vertical do setor sucroalcooleiro no centro-sul do Brasil entre 2000 e 2007. Informações Econômicas, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 17-28, mar. 2009.
3Op. cit. nota 2.
4O Nordeste, neste ínterim, perde representatividade nas atividades do setor.
5ANUÁRIO DA CANA. 
Safra 2000/2001. Volumes Centro/Sul e Norte/Nordeste. Ribeirão Preto: 
PROCANA, 2001. 
ANUÁRIO DA CANA. Safra 2010/2011. Volumes Centro/Sul e 
Norte/Nordeste. Ribeirão Preto: PROCANA, 2011. 
6As novas técnicas de 
informação surgem como o paradigma moderno do atual período da globalização 
(TIGRE, 1993). Para diminuir custos, identificar perdas e acelerar a atividade e 
o controle da produção, os atores hegemônicos de todos os setores são obrigados 
a renovar seus parques produtivos para continuar competitivos no mercado. Novas 
máquinas e instalações acopladas por sistemas (softwares) informatizados 
se tornam as principais inovações do novo período das relações 
produtivas. 
TIGRE, P. B. Informática como base técnica do novo paradigma. São 
Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 7, n. 4, p. 26-33, dez./set. 
1993. 
7Em São Paulo, somada à 
carne bovina, o binômio cana-boi responde por 54,20% do valor da produção 
paulista em 2011; adicionado à laranja, à produção florestal e à carne de 
frango, para o mesmo ano, a expectativa é de essas culturas terem atingido 68% 
do valor da produção estadual. 
TSUNECHIRO, A. et al. Valor da produção 
agropecuária no Estado de São Paulo em 2010. Informações Econômicas, 
São Paulo, v. 41, n. 5, p. 71-83, maio 2011. 
8TORQUATO, S. A.; BINI, 
D. L. C. Diferenciações no circuito de produção canavieira na região de Assis, 
Estado de São Paulo: o exemplo dos fornecedores. Informações Econômicas, 
São Paulo, v. 40, n. 7, p. 80-87, jul. 2010. 
  
Palavras-chave: modernização, cana-de-açúcar, Brasil.
Data de Publicação: 15/06/2012
                Autor(es): 
                Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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