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O Negócio De Frutas Frescas
                                 Para 
caracterizar o negócio de frutas frescas no Brasil, poderíamos escolher dois 
adjetivos: anfótero ou ambivalente. Segundo o dicionário Aurélio, anfótero é 
aquele que reúne em si duas qualidades opostas e ambivalência é o caráter do que 
apresenta dois aspectos ou dois valores. 
            
A fruta é sinônimo de natureza, saúde, combate e prevenção a doenças, sabor, 
frescor, diversidade de produtos, variedades, tamanhos, cores, qualidade, 
embalagem e origem (todo dia encontramos no Entreposto Terminal de São 
Paulo-ETSP uma nova variedade numa nova embalagem, uma nova maneira de 
apresentação – os produtores e as empresas atrás da porteira estão fazendo um 
grande esforço para a diferenciação do produto). É sinônimo ainda de facilidade 
de preparo e consumo (é o fast food do tempo das cavernas), sobrevivência digna 
do pequeno e médio produtor, emprego, alimentação barata, diferenciação do 
varejo, sobrevivência do pequeno e médio varejo, boa margem para o varejo e um 
número infinito de novos bons negócios. 
            
Mas a fruta também é sinônimo de falta de confiança entre as partes na 
comercialização e no próprio produto (essa é a maior reclamação e a mais comum 
de toda a cadeia, do produtor ao consumidor), de desorganização, de grande custo 
e perda de qualidade no processo de movimentação de carga, de impossibilidade de 
planejamento e utilização de métodos modernos de comercialização e gerenciamento 
(um bicho de sete cabeças para os supermercados e serviços de alimentação), de 
perda do produto, de quebra do produtor inovador (produto diferenciado) e de 
perda de espaço do consumo domiciliar para os produtos industrializados. 
            
Os dados do IBGE mostram uma diminuição de 25% no consumo em São Paulo, o estado 
mais rico do país, que passou de 59,6 kg em 1987 para 44,6 kg per capita em 1997 
em todas as classes de renda, com exceção da classe de 20 a 30 salários mínimos. 
O consumo domiciliar no Brasil encolheu de 47,98 kg para 40,39 kg per capita 
(queda de 16 % no mesmo período). Só para efeito de comparação, os Estados 
Unidos apresentaram crescimento de 22% no consumo nos últimos 10 anos e esperam 
aumento de 15% nos próximos anos. 
            
Tentemos traçar um retrato dos vários elos da cadeia de produção, a partir de 
dados preferencialmente de São Paulo.  
A Produção
            Com exceção da laranja, os fruticultores paulistas produzem basicamente para o mercado in natura A produção de fruta fresca é 
totalmente diferente da produção de fruta para indústria e exige uma nova 
postura do agricultor. A indústria estabelece exigências de qualidade, prazo de 
entrega, volume, variedade e preço para a matéria-prima que vai receber. 
Pesquisa o mercado, desenvolve novos produtos e novas embalagens, promove 
campanhas de marketing, vende, faz promoções no local de venda, briga por espaço 
na gôndola, orienta o varejo na venda do seu produto, garante a qualidade e o 
fornecimento, mantém SOC, SAC, etc.. Na fruta fresca, ninguém tem assumido esse 
papel. Tanto que o governo americano criou um serviço de marketing dentro do 
Departamento de Agricultura (USDA), as commissions por produto, uma estratégia 
para alavancar a mudança de postura do produtor. Em São Paulo, as campanhas de 
marketing dos produtos classificados do Programa Paulista visam exatamente à 
organização promocional do produtor. 
            
O Estado de São Paulo é o maior produtor de frutas frescas do Brasil. Tem, por 
exemplo, 77% da produção de laranja, 17% da de banana, 36% da de manga, 46% da 
de melancia, 45% da de abacate e 31% da produção de goiaba. 
            
São Paulo deve ser também o maior exportador de frutas frescas do Brasil, embora 
não tenhamos dados decisivos sobre isso. Os dados da SECEX mostram que, de 
janeiro a novembro de 1999, o Estado exportou 34,132 milhões de dólares e 
587,152 mil toneladas de frutas frescas. Os números da SECEX, de janeiro a 
agosto de 1999, indicam que as exportações paulistas responderam por 21% da 
receita e 34% do volume da exportação nacional de frutas frescas (mais de 90% de 
todos os citrus, 100% do figo, 76% do morango e 77% de outras frutas frescas). 
 
            
Esse dinamismo da fruticultura paulista deve ter como uma das principais causas 
a pequena propriedade na produção e a proximidade do consumo. O levantamento 
LUPA, realizado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São 
Paulo em 95-96, mostra uma área de um milhão e quarenta mil hectares com 
fruticultura, distribuídos em 80.331 propriedades rurais, com uma área média de 
12,95 hectares, praticamente em todos os municípios do Estado. Se considerarmos 
a média de um emprego por hectare, a fruticultura gera no estado de São Paulo um 
milhão e quarenta mil empregos só na produção. A banana é um bom exemplo. 
Existem 8.653 unidades de produção, com área média de 6,16 hectares, 
distribuídas em 317 municípios do Estado.  
O Varejo
            
Voltemos a falar de ambivalência. Pulverização da produção, sobrevivência do 
pequeno produtor, distribuição de riqueza, prevenção do êxodo rural, 
oportunidades, inovações e novos negócios. Concentração do varejo, corrida para 
a diminuição de custo - informatização, automação - e redução do número de 
empregos. O índice de automação nas 300 maiores lojas passou de 5% em 1994 para 
70% em 1998; a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo determinou a 
automação da saída da mercadoria em todos os estabelecimentos de varejo – para 
automatizar a saída é preciso automatizar a entrada. No período 1994-98, o 
faturamento aumentou 77% e o número de funcionários diminuiu 4%. O índice de 
concentração das cinco maiores empresas sobre as vendas totais cresceu de 23% em 
1994 para 37% em 1999. A tendência é para a maior concentração, acompanhando o 
que acontece em todo o mundo. Na Argentina, as cinco maiores empresas respondem 
por 45% das vendas totais e na Alemanha, por 75%. 
            
Um supermercado brasileiro, com um maravilhoso setor de FLV (frutas, legumes e 
verduras), tem no máximo 300 itens; o setor de FLV de um supermercado médio 
alcança no máximo 100 itens. Não existe diversidade, a compra é feita pelo 
preço, o despreparo é total. Nos EUA, o número médio de itens gira em torno de 
450, estando previsto o aumento para 600 itens até 2005. 
            
Levantamento realizado pelo Programa de Administração do Varejo da USP mostra 
que 25% dos consumidores só compram frutas e hortaliças nas feiras e sacolões, 
enquanto 75% compram em feiras e supermercados ou apenas em supermercados. A 
feira livre consegue oferecer ao consumidor diversidade, preços diferenciados, 
tratamento personalizado e frescor do produto. Por isso, a feira continua em pé, 
apesar das suas inúmeras e conhecidas deficiências. Levantamento feito no 
Estados Unidos (onde existem pesquisas sobre o assunto) mostrou que a 
característica mais importante para o consumidor é o frescor do produto. 
            
A alimentação fora do lar está crescendo. Dados da Associação Brasileira de 
Restaurantes Coletivos (ABERC) mostram que só as empresas de refeição coletiva 
servem diariamente 3,3 milhões de refeições. Se cada restaurante servisse 100 
gramas de fruta, seriam 330 toneladas de frutas por dia. Para gerentes de 
suprimentos e nutricionistas dessas empresas, frutas e hortaliças frescas também 
são um bicho de sete cabeças. Por isso, a Ceagesp treinou, apenas no segundo 
semestre de 1999, 565 pessoas do serviço de alimentação.  
O Atacado
            
Poderíamos dizer que o negócio de frutas é ambivalente. A produção é 
pulverizada, o varejo desorientado e o atacado no mínimo confuso. 
            
O atacado concentra o produto que chega de milhares de origens, para 
distribuí-lo ao varejo e ao serviço de alimentação. Concentra os produtos e os 
seus problemas. O produto que chega ao atacado é o resultado de toda a 
tecnologia empregada, da aptidão da região, do clima, dos cuidados especiais e 
da sorte. 
            
A maioria dos atacadistas de hortifrutícolas está nas ceasas. As centrais de 
abastecimento são administradas na maioria dos estados brasileiros pelo governo 
estadual, na maioria dos países pelo município, com diretriz federal, e no caso 
de São Paulo pelo governo federal. A Itália privatizou a administração de uma 
parte de suas centrais de abastecimento, até agora com bons resultados. 
            
É interessante notar que o produto local não passa pela central de abastecimento 
do município, sendo normalmente mandado para outras ceasas. A ceasa, empresa do 
governo, poderia e deveria ter uma política de escoamento do produto local. 
Disponibilidade de informações de mercado, como o preço, o volume e os 
compradores das diferentes ceasas, poderia ajudar muito o produtor local. 
            
A consolidação do varejo e a ineficiência das ceasas levaram ao surgimento e 
crescimento de atacadistas fora das ceasas (produtores que começam fornecendo o 
seu produto a grandes redes de supermercados e acabam se tornando atacadistas 
por meio da compra de outros produtores), assim como ao crescimento dos 
distribuidores no abastecimento de supermercados e serviços de alimentação. 
            
O atacado sente a pressão do varejo por melhoria do produto e da embalagem e tem 
dificuldade em articular a mudança na produção. O atacado acaba reembalando e 
classificando o produto no mercado, em condições inadequadas e de baixa 
eficiência. 
            
Uma das medidas da eficiência do mercado é a rapidez do fluxo do produto. As 
cargas que vêm do produtor são normalmente de um ou dois produtos. O varejo leva 
um pouco de cada produto. A consolidação de carga é difícil e demorada e a 
embalagem é um dos problemas que exige solução. A embalagem de frutas precisa 
ser paletizável, de preferência aberta, descartável ( reciclável ou de 
incinerabilidade limpa), retornável (higienizável) e modular para permitir 
paletes mistos - 99% das embalagens no mercado não são paletizáveis, 99% dos 
manipuladores não sabem fazer uma pilha de caixa e as embalagens definidas pela 
Portaria 127 são anti-higiênicas, danificam o produto e não são paletizáveis. 
 
            
A participação da fruta no volume total comercializado das ceasas é importante - 
em São Paulo representa 45%, em Sorocaba, 32%, e em Presidente Prudente, 43% do 
volume total. 
            
No mundo inteiro, as centrais de abastecimento estão se preparando para mudar. 
Uma das principais preocupações é a consolidação do varejo. No Brasil, em 
virtude da inexistência de estruturas na maioria das regiões de produção que 
concentrem a classificação, o embalamento e a rotulagem, os atacadistas das 
centrais de abastecimento acabam assumindo esse papel. Na Espanha, essas 
estruturas existem em forma de cooperativa de comercialização, enquanto nos 
Estados Unidos existe a figura dos packers e shippers. Aquisição do produto na 
roça, financiamento da lavoura e orientação sobre o que plantar são algumas das 
tarefas assumidas pelos atacadistas. 
            
No Congresso Mundial de Mercados, realizado em Valência no ano passado, houve 
consenso sobre a necessidade de investimento em informação e em garantia de 
qualidade. A central de abastecimento é o local perfeito para o monitoramento do 
produto, do setor e da demanda da realidade. Os mercados atacadistas devem 
investir tanto na infra-estrutura de recebimento, armazenamento e disseminação 
de informação quanto na infra-estrutura física de recebimento, armazenagem e 
distribuição. O mercado deve ter uma política de monitoramento do produto e 
caminhar para a certificação da qualidade do produto. 
            
O ETSP é o umbigo da horticultura nacional, o seu epicentro. Numa comparação 
entre as produções brasileira e paulista, entram no ETSP 11,46% da uva nacional 
e 30,42 % da paulista, 18% da maçã nacional, 9% da manga nacional e 32% da 
paulista, 27% do abacaxi paulista, 11% do maracujá nacional e 40% do paulista, 
30% do pêssego nacional e 121% do paulista(nesse cálculo, foram descontados os 
produtos destinados à indústria). 
            
O potencial de informação de uma central de abastecimento é imenso. Normalmente 
só se usa a cotação de preço. Pelos dados do mercado, sabemos, por exemplo, que, 
no período de 10 de janeiro a 15 de outubro de 1999, entraram 12.924 toneladas 
de uva no mercado, representando 2,43% do volume total de fruta. Essa uva foi 
comercializada por 35 atacadistas (27 com menos de 5% do mercado, quatro com 10% 
a 20% do mercado e quatro atacadistas com 5% a 10% do mercado). Em outro 
levantamento, descobrimos que dois desses atacadistas trabalham exclusivamente 
com supermercados e seis enviam o produto para outras ceasas. Para a maioria dos 
atacadistas entrevistados, a uva representa 20% a 30% do seu volume total de 
venda e as variedades mais procuradas são a Rubi e a Itália. O Paraná entra com 
uva no mercado de abril a julho, praticamente sem concorrência da uva paulista. 
A uva nordestina entra no mercado a partir de agosto, na mesma época da uva de 
Jales e Dracena, com um mês a mais de produção – dezembro. As variedades mais 
ofertadas são a Itália e a Rubi, que apresentam grande aumento de volume a 
partir de junho, principalmente a Itália. Numa pesquisa de mercado, verificou-se 
que 63% dos consumidores preferem comprar uva a granel, num peso que varia de 
0,5 a 2,0kg. A maioria das pessoas observa a limpeza dos cachos, a coloração e o 
odor das uvas antes de comprar. Noventa e um por cento disseram que a compra não 
tem nada a ver com a disposição nas gôndolas. Os problemas mais apontados foram 
degrana, bagas amassadas, azedas e manchadas. Sessenta e três por cento fazem 
compra de uva uma vez por semana. 
            
Levantamento feito em 36 supermercados de diferentes tamanhos, próximos ao 
terminal, mostrou a importância do distribuidor no abastecimento de frutas e 
hortaliças. Ele responde por 45% das frutas, 39% das verduras, 34% dos legumes, 
50% da batata e da cebola, 58% do alho e 26% da abóbora, o que é prova da 
ineficiência do atacado.  
Data de Publicação: 10/02/2000
Autor(es): Anita de Souza Dias Gutierrez Consulte outros textos deste autor
                    
                        