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A Qualidade No Segmento De Cafés Especiais(1)
                                 A 
busca por qualidade na indústria de alimentos está mostrando um crescimento 
constante na última década, fruto de mudanças nas preferências dos consumidores. 
Muitos deles estão dispostos a pagar mais por produtos que possuam alguns 
atributos desejados, que podem incluir parâmetros tangíveis ou intangíveis.  O Segmento de Cafés Especiais               A diferenciação de cafés Gourmet e de origem 
certificada tem como base atributos físicos e sensoriais, como qualidade da 
bebida superior ao padrão. O consumidor com algum conhecimento sobre esse 
mercado pode distinguir, pelas características da bebida, o café padrão do de 
qualidade superior. São os chamados bens de experiência, pois, nestes casos, a 
informação a respeito da qualidade superior da bebida só é obtida após seu 
consumo. Segundo DOUGLAS (1992), os bens e serviços podem ser classificados em 
bens de pesquisa, de experiência e de crença, com base na dificuldade e no custo 
que o consumidor enfrenta para avaliar a qualidade de um produto na hora da 
compra. Os custos da informação para o consumidor aumentam a partir dos bens de 
pesquisa para os de experiência e para os de crença, pela dificuldade de 
avaliação dos atributos.  a) Café Gourmet está relacionado a grãos de café arábica de alta qualidade. É um produto diferenciado, quase livre de defeitos. A produção de café Gourmet tem sido incentivada pela Organização 
Internacional do Café (OIC).   b) Café de Origem Certificada 
relaciona-se às regiões de origem dos plantios, uma vez que alguns dos atributos 
de qualidade do produto são inerentes à região onde a planta é cultivada. O 
monitoramento da produção é necessário para a rotulagem.   c) Café Orgânico é produzido 
sob as regras da produção orgânica. Isso significa que o café deve ser cultivado 
com fertilizantes orgânicos e o controle de pragas e doenças deve ser feito por 
meio de controle biológico. Para ser rotulado como orgânico, tanto a produção 
como o processamento precisam ser monitorados por uma agência certificadora 
credenciada.   d) Café Fair Trade é aquele consumido em países desenvolvidos 
por consumidores preocupados com as condições sociais e ambientais sob as quais 
o café é cultivado. Observa-se uma disposição para pagar mais pelo café 
produzido por pequenos agricultores e/ou sistemas de produção sombreados. O 
processamento também é monitorado, para garantir a presença dos atributos de 
qualidade desejados.               O 
preço prêmio obtido pelos cafés especiais representa um incentivo ao 
comportamento oportunista, estimulando o ingresso de novas empresas no negócio 
que podem querer vender seus produtos rotulados, sem que eles na verdade 
contenham os atributos necessários para tal. Essa atitude pode ser reduzida pelo 
monitoramento e certificação do produto. A certificação é um instrumento para 
reduzir a assimetria de informações entre os agentes e melhora a capacidade dos 
consumidores para identificar atributos de qualidade específicos, que são muito 
difíceis de observar. 
            
Essas possibilidades de segmentação e diferenciação estão entre os fatores mais 
relevantes que influenciam a competitividade dos produtos agroindustriais. Em 
conseqüência disso, alguns atributos de qualidade, passíveis de certificação, 
estão sendo incorporados como instrumento de concorrência do produto final. A 
crescente demanda, particularmente em países desenvolvidos, por produtos 
saudáveis e corretos sob o aspecto social, possibilita a incorporação de novos 
atributos de qualidade. 
            
O segmento de cafés especiais, por exemplo, representa atualmente cerca de 12% 
do mercado internacional da bebida (PASCOAL, 1999). Os atributos de qualidade do 
café cobrem uma ampla gama de conceitos, que vão desde características físicas, 
como origens, variedades, cor e tamanho, até preocupações de ordem ambiental e 
social, como os sistemas de produção e as condições da mão-de-obra sob os quais 
o café é produzido. 
            Exemplo recente dessa demanda foram as manifestações ocorridas em Seattle nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), que protestavam contra sua política atual, que permitiu o crescimento de várias empresas às custas do empobrecimento alheio. Entre elas estava a Starbucks - uma das maiores redes norte-americanas de distribuição de café - que, segundo os manifestantes, cresceu explorando os pequenos produtores de café do terceiro mundo. Em resposta a isso, a rede assinou um contrato prevendo o lançamento de uma linha de grãos com o certificado de Fair Trade (também conhecido 
como comércio justo ou solidário). Segundo a Fair Trade Federation, os 
princípios desse movimento incluem: pagamento de salários justos aos 
trabalhadores, trabalho cooperativo, educação do consumidor, sustentabilidade 
ambiental, suporte técnico e financeiro e respeito à identidade cultural (Dicum 
& Luttinger, 1999). Esse café, considerado politicamente correto, será 
fornecido por cooperativas de pequenos produtores, com ganhos significativos 
para os agricultores pela eliminação de intermediários, pois a negociação é 
feita diretamente entre eles e a empresa (Hornblower, 2000).  
            Nos cafés certificados como Orgânico e Fair Trade, que além de atributos físicos - como aroma e sabor - também incorporam preocupações de ordem ambiental e social, o problema de mensuração das informações pelo consumidor é muito mais complexo. Também conhecidos como cafés conscientes, esses segmentos estão ampliando sua 
parcela no mercado de cafés especiais, dado o aumento da preocupação com as 
dimensões ambientais e sociais nos padrões de consumo, o que tem estimulado as 
preferências por bens produzidos de forma sustentável (Dicum & Luttinger, 
1999). 
            
O consumidor, contudo, não consegue distinguir, mesmo após saborear a bebida, se 
ela possui os atributos por ele desejados. São os chamados bens de crença. 
Nesses casos, o fortalecimento da confiança no organismo certificador estimula a 
comprovação dos atributos contidos no selo impresso na embalagem. Para isso, é 
necessário criar uma reputação, ou seja, relações de confiança, que só se 
estabelecem no longo prazo. Além disso, é preciso monitorar - ou rastrear - todo 
o caminho do produto ao longo do sistema produtivo, para reduzir perdas de 
informação ao longo do processo. 
            
Essas categorias de certificação de café estão brevemente descritas, a seguir: 
 
            
O quadro a seguir compara essas quatro categorias de certificação, quanto aos 
seguintes aspectos: (i) principais atributos de qualidade; (ii) dificuldade para 
identificar a qualidade: (iii) formas de monitoramento para evitar 
comportamentos oportunistas; (iv) necessidade de rastrear o produto até o 
consumidor.  
Quadro 1. Análise comparativa do segmento de cafés especiais
|        |            |            |            |            | 
      
  |     Atributos sensoriais, como aroma e sabor superiores |        |     Classificação e  prova de xícara  |     Preferível, mas não necessária | 
      
  |     Combinação de atributos de origem e qualidade |        |     Certificado que garante a origem | Necessária | 
      
  |     Atributos ambientais |        |     Agentes externos  Certificadoras  |     Necessária | 
      
  |     Atributos sociais |        |     Agentes externos  Certificadoras  |     Necessária | 
            Verifica-se que diferentes estratégias exigem formas de monitoramento distintas. O café Gourmet é o único comercializado via mercado e não exige a rastreabilidade do produto. Isso porque a identificação da qualidade depende da prova de xícara, que é um dos instrumentos para verificar se o produto é ou não Gourmet, caracterizado aqui 
como bem de experiência. Nas demais categorias, as características de bens de 
crença exigem a rastreabilidade do processo produtivo. 
            A certificação, apesar dos custos a ela associados, permite que pequenos agricultores se incorporem com maior facilidade ao mercado de cafés diferenciados. Particularmente no caso dos cafés Orgânico e Fair Trade, quando certificados, atraem empresas 
interessadas em atender aos consumidores mais exigentes. É possível a 
comercialização direta dos grãos entre produtores - reunidos em grupos e/ou 
associações de pequenos agricultores – e as empresas distribuidoras de cafés 
especiais. 
   
| 1 Este texto foi originalmente publicado em Informações FIPE. São Paulo: FIPE/USP, no. 236, p.24-26, maio/2000. | 
BIBLIOGRAFIA 
DICUM, G.; LUTTINGER, N. (1999). The Coffee Book: anatomy of an 
industry from crop to the last drop. New York: The New York Press, 196p. 
 
Douglas, E. J. (1992) Managerial economics: analysis and strategy. 4th ed., New Jersey: Prentice-Hall International Editions, 655p.
HORNBLOWER, M. (2000). Sinta o Aroma do Protesto. Folha de São Paulo/Time Magazine, vol. 3, nº 15, p.13.
PASCOAL, L. N. (1999). Aroma de Café: guia prático para apreciadores de café. São Paulo: Editora Fundação Educar-DPaschoal, 159p.
Data de Publicação: 03/08/2001
                Autor(es): 
                Maria Celia Martins De Souza (mcmsouza@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Maria Sylvia M. Saes Consulte outros textos deste autor              

                    
                        