Crise na cana?

            A crise no mercado financeiro mundial teve início em 2004 com o aumento das taxas de juros nos EUA, o que gerou um crescimento na inadimplência dos financiamentos imobiliários e trouxe problemas de solvência no mercado de hipotecas. Essa crise atual deflagrada no segundo semestre de 2008 foi gerada por um descontrole financeiro que se tornou a raiz da desconfiança no sistema. Partindo dessa constatação, empresas 'emergentes' e com fragilidades de mercados - como alguns casos de empresas do setor sucroalcooleiro - foram alvos mais fáceis da especulação e do oportunismo.

            Essa crise de confiança alimentada por informações alarmistas, em alguns casos, pode de fato criar uma crise grave de consumo no Brasil. Palavras criam expectativas e se tornam em realidade quando se dá crédito a elas, e a chegada da crise também passa por essa questão. O fato é que no auge da crise houve uma retração nas vendas de veículos no Brasil, fortemente impulsionada pelo aumento das taxas de juros praticadas nos financiamentos, fruto das incertezas e restrições de acesso ao crédito. O fato da suspensão temporária da cobrança do IPI para alguns modelos de veículos e abatimento na alíquota para outros lubrificou as engrenagens do mercado de veículos novos reaquecendo as vendas em janeiro de 2009.

1 - Impactos da Crise Financeira no Setor Sucroalcooleiro

            Configurado em parte por bases gerenciais 'familiares', com somente dois grupos com ações em bolsas (Cosan e São Martinho), o setor sucroalcooleiro opera primordialmente em dois mercados: o açúcar e o álcool.

            O primeiro tem maior inserção tanto no mercado interno como no externo: por ser uma commodity que apresenta grande instabilidade de preços ocasionada por conta de especulações, formação de estoques e quebra localizada de safra. O preço do açúcar está atrelado à relação estoque/consumo, e sua demanda é inelástica em relação ao preço e à renda por ser o açúcar um bem essencial e de necessidade básica. Por outro lado, por ser uma commodity e com grande parcela nas exportações poderá ser beneficiado via câmbio/preço sabendo-se que um aumento do preço externo do açúcar pode gerar um deslocamento da oferta interna para o mercado externo1. Vale salientar que o mercado do açúcar tanto interno como externo é mais consolidado. Já o álcool (etanol), que ainda não tem uma grande inserção no mercado externo - sendo o mercado interno o seu maior consumidor -, é negociado no mercado futuro de forma tímida, não sendo até então uma commodity. A problemática mais relevante, nesse caso, está localizada na relação entre o seu preço e sua demanda ao preço do petróleo em queda que poderá no médio prazo afetar os planos de investimentos externos no setor. O que alavanca as pesquisas relacionadas ao desenvolvimento e à produção de combustíveis renováveis são os preços relativos do petróleo: quantos mais altos mais se propiciam e estimulam as pesquisas relacionadas a combustíveis alternativos.

            No que se refere ao atual momento vivido pelo setor sucroalcooleiro torna-se necessária uma retratação sobre o desenrolar específico de sua cadeia de produção antes da acentuação da crise financeira global deflagrada no final de 2008. Sendo assim, é importante ressaltar que o setor vem de duas safras seguidas de preços baixos. Após um ascenso até 2006, em que a demanda principalmente do etanol trouxe retornos positivos aos incrementos na oferta do produto fundamentalmente no mercado interno, nos últimos dois anos, esperançosos na expansão pouco concretizada da demanda do álcool combustível no mercado internacional, o setor sucroalcooleiro realizou grandes investimentos em novas unidades de produção e alargamento dos canaviais rolados pelo setor financeiro.

            O que se viu foi uma oferta excedente geradora de 'preços ruins'. Isso decorre de uma expectativa irrealista em relação à demanda de açúcar e álcool, de uma confusão em relação à sinalização do mercado e de dificuldades para se saldar as dívidas contraídas2. Dessa forma, a retração ou paralisação dos fluxos de investimentos estrangeiros no setor não acontece somente devido à crise financeira agravada no atual momento, mas sim é acentuada por ela.

            Essa desaceleração econômica causada pela crise pode trazer algumas conseqüências práticas ao setor. Por conta da falta ou dificuldade de crédito pode levar algumas unidades de produção a diminuir ou suprimir etapas na produção (manutenção, fertilizantes, defensivos, etc.), o que pode acarretar atrasos no avanço de novas tecnologias e nos ganhos de produtividade3.

            Individualmente a crise afetou empresas do setor que negociam ações na bolsa e registraram expressivas quedas em seus valores na BOVESPA. Também foram afetadas empresas que fizeram hedge cambial, que serviu como uma proteção à variação do câmbio. Com o desaquecimento, das economias mundiais, pode-se ter um reflexo na renda. A crise de incertezas leva alguns investidores a postergarem os investimentos que afetam diretamente o dinamismo da economia e consequentemente o setor sucroalcooleiro.

2 - Petróleo versus Etanol

            Os preços internacionais do petróleo são sensíveis a inúmeros fatores. Nos últimos dez anos, o preço médio foi progressivamente aumentado, passando de US$13,07 o barril, em 1998, para US$71,13, em 2007. Em 2008, todavia, as variações foram significativas: em julho, as cotações atingiram o nível recorde, ultrapassando US$147 e despencaram para US$32,40 em dezembro de 2008 com a crise internacional. Sendo assim, por um lado, se o valor do petróleo se mantiver nos níveis baixos de preços atuais, cerca de U$$40,00 o barril, por um longo período, levará ao desestímulo do desenvolvimento de alternativas ao combustível fóssil, como também inviabilizará a exploração de petróleo com alta tecnologia, como no caso do 'pré-sal'. Por outro lado, gerará uma pressão deflacionária dos preços nos mercados de insumos agrícolas (fertilizantes) dependentes do petróleo.

3 - Cana versus Pecuária

            Os diagnósticos de expansão para os próximos anos, quando se retratam o surgimento de novas usinas e canaviais parecem estar sendo refeitos. Áreas arrendadas em final de contrato estão sendo revistas e muitos proprietários ligados à pecuária no oeste paulista, por exemplo, estão aptos a cobri-las novamente com pastagens, devido à valorização da arroba do boi concomitante à desvalorização dos rendimentos adquiridos via arrendamento da cana4.

            Estudo realizado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) para o período 2001 a 2006 revela que grande parte da expansão da cana-de-açúcar em São Paulo foi em áreas de pastagens5. Assim, com a mudança nas perspectivas de rentabilidade entre a lavoura canavieira e a pecuária, esta tendência pode estar sendo alterada devido à recuperação dos preços do boi gordo (Figura 1)6.

Figura 1 - Preços da Cana-de-Açúcar e do Boi Gordo, Estado de São Paulo, 2003-2008. 

Fonte: INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em: 2009.

            Pode-se inferir que há uma concorrência por terras para o arrendamento, tendo como parâmetro a rentabilidade e os preços das atividades agropecuárias.

4 - Considerações Finais

            A crise pode ser um momento excepcional para boas oportunidades e se deve estar atento a uma visão de futuro e de tendências. As usinas 'familiares', como também as usinas pertencentes a grupo maiores e mais fortes, devem sempre buscar dialogar e discutir com os especialistas tanto do setor privado como do governo para minimizar problemas e euforias. O planejamento e a pesquisa são ferramentas importantes para orientar decisões e evitar desvios de foco e de oportunidades. A aquisição ou a fusão de grupos nesse momento talvez seja o caminho – oportunidade - que os atores do setor encontrem para amenizar os reflexos dessa crise, o que poderá aumentar a concentração ou maior oligopolização em suas atividades.

            Com isso, considerando que as crises no setor sucroalcooleiro são recorrentes, é preciso criar uma expertise nesses casos. O investimento em tecnologia, gestão de processos e de risco podem minimizar problemas de curto e médio prazo. Deve-se lembrar que o planejamento das atividades não se encerra a cada safra, sendo preciso visão de futuro e competência para se manter nesse mercado que está cada vez mais competitivo e exigente de qualidade.

            O momento é de incertezas, de preços baixos, de falta de crédito, mas para quem quer se manter e crescer na atividade com lucratividade deve buscar melhorar a produtividade no campo e tornar mais eficiente o processo produtivo, o que exige pesquisa, desenvolvimento e investimentos com visão nítida nas oportunidades de mercado no futuro para o setor.

            Para a próxima safra, mantendo-se o nível das exportações de açúcar e álcool, o impacto poderá ser positivo, visto que até o momento houve uma valorização do dólar frente ao real, tornando o produto brasileiro mais competitivo em relação àqueles países que não passaram por desvalorizações em suas moedas. A saída é ocupar os mercados com fôlegos de crescimento, como a fatia que a diminuição da oferta de açúcar indiano abrirá, podendo tornar a próxima safra brasileira mais açucareira e assim reduzir o excedente de oferta de etanol característico dos últimos anos.

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1Vale ressaltar que a ligação não é direta. A demanda por açúcar está atrelada a algumas variáveis como: aumento da população, deslocamento da população das áreas rurais para áreas urbanas e substituição do açúcar natural por sintéticos (adoçantes).

2FRONZAGLIA, T.; TORQUATO, S. A. Mercado de álcool: desajustes e excesso de expectativas. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 2, n. 8, ago. 2007. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/ out/verTexto.php?codTexto=9035>. Acesso em: 2009.

3A falta de tratos culturais no campo pode ser um grande 'tiro no pé' pois fragiliza ainda mais as empresas que estão com dificuldades.

4Alerta com esses ciclos, o grupo Cosan, estruturado na empresa Radar (de capital brasileiro e norte-americano), tem ido à compra de terras com o objetivo de realizar reservas de valor para momentos como esse de crise, onde os custos de oportunidade, quando se está na dependência de terras arrendadas, podem levar os proprietários a direcionar suas terras a outras atividades agropecuárias.

5CAMARGO, A. M. M. P. de et al. Dinâmica e tendências da expansão da cana-de-açúcar sobre as demais atividades agropecuárias, Estado de São Paulo, 2001 – 2006. Informações Econômicas, São Paulo, v. 38 , n. 3, p. 47-66, mar. 2008.

6Também é verificado o mesmo fenômeno em outras Regiões do País como é o caso da soja no Centro – Oeste.

Palavras-chave: etanol, cana-de-açúcar, crise e açúcar.


Data de Publicação: 18/02/2009

Autor(es): Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor