Análise sobre os Mecanismos de Transmissão de Preços nos Mercados de Laranja

            A expansão do agronegócio tem sido marcante na sociedade brasileira, caracterizando-se por cadeias produtivas cada vez mais integradas e pelo uso intensivo de capital nos diversos segmentos que o compõe. Desta forma, a agricultura, pensada como agronegócio, envolve os processos de produção agropecuária, logística e comercialização, além da agroindústria e dos serviços agroindustriais. Portanto, seus efeitos multiplicadores amplificam a representatividade setorial na economia brasileira.
 

            Nas últimas duas décadas, a agricultura passou a figurar ainda mais entre os setores econômicos mais estratégicos para a consolidação do programa de estabilização econômica. Considerando-se alguns aspectos do agronegócio, como a elevada participação no Produto Interno Bruto (PIB), a importância na pauta de exportações e na manutenção de um saldo positivo da balança comercial ao longo de toda a década passada, e a contribuição para o controle da inflação, evidencia-se a importância da agricultura brasileira para impulsionar o desempenho da economia.
 

            Dessa forma, outras dimensões que envolvem o agronegócio brasileiro precisam ser avaliadas. As análises do setor demandam uma complementação, indo além do acompanhamento dos volumes produzidos e ganhos de produtividade, e passando por questões relacionadas com: o acompanhamento dos principais mercados concorrentes, os movimentos dos preços no mercado internacional e compreensão dos mecanismos de transmissão de preços dos diferentes mercados agrícolas.
 

            Um dos setores do agronegócio que merece destaque é o segmento citrícola. Conforme Neves (2009), o Brasil detém 50% da produção mundial de suco de laranja e exporta 98% da sua produção, conseguindo captar 85% do mercado mundial. Em 2010, conforme dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA, 2010), as divisas geradas com as exportações de suco de laranja foram de 1,77 bilhões de dólares e o Estado de São Paulo teve uma expressiva participação de 95% do valor das exportações (1,69 bilhões de US$). Além disso, o Estado de São Paulo detém 53% do mercado mundial de suco de laranja.
 

            Em função da grande expressividade do mercado citrícola, sobretudo da agroindústria de suco de laranja, e da relevância paulista neste mercado, o presente estudo procurou avaliar a elasticidade de transmissão de preço do mercado de suco de laranja.
 

            Procura-se evidenciar como as variações das cotações internacionais do suco de laranja interferem nos preços das exportações deste produto (Modelo I) e, ainda, se as oscilações dos preços médios de exportação do suco de laranja são transmitidas para os produtores de laranja em São Paulo (Modelo II).
 

            Dessa forma, três variáveis foram consideradas: cotações internacionais do suco de laranja (Bolsa de Nova York), preço médio das exportações brasileiras de suco laranja e preços recebidos pelos produtores paulistas.
 

            Para tanto foram propostos cinco métodos para avaliar a elasticidade de transmissão de preço do mercado de suco de laranja. Para realizar a análise econômica do relacionamento de curto prazo utilizou-se o Teste de Causalidade. Para a avaliação de longo prazo adotou-se o Teste de Co-integração e para uma análise de curto e longo prazo, simultaneamente, utilizou-se o Modelo Vetorial de Correção de Erro (VEC). Para avaliar o comportamento dinâmico das variáveis utilizou-se a Decomposição da Variância dos Erros de Previsão e, finalmente, foram utilizados Testes de Exogeneidade para verificar como as variáveis reagem a mudanças na relação de equilíbrio de longo prazo1.
 

            Dado que as variáveis apresentam diferentes unidades de peso e unidades monetárias, optou-se em transformar todas as séries em US$/kg. O período de análise inicia-se em Janeiro de 2000 e termina em Fevereiro de 2011.
 

Modelo I: Cotação Bolsa de Nova York (LCOT) e Preço Médio de Exportação (LEXP)
 

Neste modelo analisaram-se como as variações das cotações internacionais do suco de laranja interferem nos preços das exportações brasileiras.
 

a) Teste de Causalidade (análise de curto prazo):
 

Tabela 1- Resultados dos Testes de Causalidade de Granger 


  
 

            Considerando apenas os significados econômicos e estatísticos dos resultados, o teste permite inferir que o LCOT causa LEXP. Trata-se de resultado esperado, isto é, a cotação internacional afeta o preço de exportação no curto prazo, pois o Brasil é tomador de preços no mercado internacional de suco de laranja concentrado congelado.

b) Teste de Co-integração (análise de longo prazo):

Tabela 2 - Resultados do teste de co-integração de Johansen para a estatística traço, 


 

¹Valor Crítico fornecido pelo SAS em nível de 5,0%. *Significativo em nível de 5,0%.
 

            As variáveis co-integram, então, há relação de equilíbrio no longo prazo entre as variáveis, ou seja, convergem para o equilíbrio no longo prazo.

c) Modelo Vetorial de Correção de Erro (VEC) (Análise de curto e longo prazo):

Tabela 3 - Estimativas dos coeficientes de curto e longo prazos do Modelo Vetorial de Correção de Erro (VEC) 


 

            No longo prazo, variações de 1% nas cotações internacionais do suco de laranja concentrado induzem variações de 1,69% nos preços médios de exportação de suco de laranja concentrado no longo prazo. Portanto, essa relação é elástica. Em função do balanço entre demanda e oferta internacionais ser positivo, os preços de exportação sobem mais vigorosamente do que as variações nas cotações internacionais para suprir a demanda internacional.
 

            Já no curto prazo, os desequilíbrios nas cotações internacionais do suco de laranja concentrado são corrigidos a uma taxa de apenas 0,307% em cada período, ou seja, para que as cotações retornem ao equilíbrio o horizonte temporal é muito longo. Possivelmente, isso se deve ao fato de que embora a produção norte-americana de laranja tenha sido afetada, no período analisado, por quebras de safras em decorrência de condições climáticas desfavoráveis (furacões/geadas) na Flórida o volume comercializado no mercado internacional foi suficiente para compensar em parte essas perdas, em função, provavelmente, da utilização de estoques. Além disso, as vendas no mercado internacional obedecem ao cumprimento de contratos.
 

            Ainda com relação ao curto prazo, os desequilíbrios nos preços de exportação são corrigidos a uma taxa de 8,49% ao mês, ou seja, o equilíbrio desses preços retorna em aproximadamente um ano, fato esse que, provavelmente, ocorre em função das exportações terem respondido adequadamente a problemas de oferta no mercado internacional.
 

d) Teste de Exogeneidade:

Tabela 4 - Teste de exogeneidade sobre os parâmetros de curto prazo () 


 

            Utilizando o Teste de Exogeniedade, o LCOT não reage a variações de LEXP, isso implica que as cotações internacionais não são afetadas pelos preços de exportação do suco de laranja concentrado provenie    nte do Brasil. Isso confirma que o Brasil é tomador de preço no mercado internacional de suco de laranja concentrado congelado. Já o LEXP reage às variações de LCOT, o que confirma a afirmação anterior.

e) Decomposição da Variância dos Erros de Previsão:

Tabela 5 - Resultados da Decomposição da Variância dos Erros de Previsão em Porcentagem 


 

            Decorridos 24 meses após um choque inicial não antecipado sobre LCOT, verifica-se que as cotações internacionais do suco de laranja concentrado congelado são fortemente influenciadas por ela própria (98,16%) enquanto que apenas 1,83% é influência dos preços médios de exportação do suco de laranja concentrado congelado proveniente do Brasil.
 

Tabela 6 - Resultados da Decomposição da Variância dos Erros de Previsão em Porcentagem

 
  
 

            Decorridos 24 meses após um choque inicial não antecipado sobre LEXP, observa-se que essa variável é expressivamente influenciada por LCOT, pois 92,10 de LEXP deve-se a LCOT enquanto que, somente 7,89% de LEXP deve-se a ela própria. Esses resultados mostram, novamente, que o Brasil é tomador de preços no mercado internacional de suco de laranja.
 

MODELO II: Preço Médio de Exportação (LEXP) e Preço Recebido pelo Produtor Laranja para Indústria (LPIEA)

            Neste modelo foi analisado como as variações dos preços médios das exportações brasileiras de suco de laranja são transmitidas para os preços recebidos pelos produtores de laranja em São Paulo.

a) Teste de Causalidade (Análise de curto prazo):
 

Tabela 7 - Resultados dos Testes de Causalidade de Granger 


  
  
 

            O LEXP não causa LPIEA, resultado este esperado. Ou seja, o preço médio de exportação não afeta, no curto prazo, o preço de recebido pelo produtor. Possivelmente, esse resultado é decorrente do fato de que o preço da caixa de laranja para indústria é fixo (período de validade dos contratos). Logo, variações nos preços de exportação do suco de laranja concentrado congelado não influem no preço recebido pelo produtor de laranja para indústria, pelo menos, no curto prazo. Embora o teste também tenha apontado que, do ponto de vista estatístico, haveria um efeito causal de LPIEA sobre LEXP esse resultado não tem significado econômico.
 
 

b) Teste de Co-integração (Análise de longo prazo):

Tabela 8 - Resultados do teste de co-integração de Johansen para a estatística traço


 

 

            As variáveis co-integram, então, há relação de equilíbrio no longo prazo entre as variáveis, ou seja, convergem para o equilíbrio no longo prazo.

c) Modelo Vetorial de Correção de Erro (VEC) (Análise de curto e longo prazo):
 

Tabela 9 - Estimativas dos coeficientes de curto e longo prazos do Modelo Vetorial de Correção de Erro (VEC) 


 

            No longo prazo, variações de 1% nos preços médios do suco de laranja concentrado congelado induzem variações de 1,02% nos preços recebidos pelos produtores de laranja para indústria no longo prazo. Portanto, essa relação é elástica. Em função de condições de mercado favoráveis decorrente do balanço entre oferta e demanda internacionais, os preços de exportação se elevam. Para obter a matéria-prima e cumprir seus contratos, as indústrias necessitam renegociar os contratos da caixa de laranja com os produtores, os quais tendem a obter preços mais elevados e, então, se beneficiam do aumento de preços no mercado externo, porém, somente no longo prazo.
 

            O coeficiente da estimativa de curto prazo para LEXP não tem significado estatístico, possivelmente, porque essa variável é fracamente exógena. Essa hipótese será testada mais abaixo nos testes de exogeneidade. Ainda com relação ao curto prazo, desequilíbrios nos preços recebidos pelos produtores de laranja para indústria são corrigidos a uma taxa de 7,5% ao mês, ou seja, o equilíbrio desses preços retorna em torno de quase um ano, fato esse que mostra que, em função da elevação dos preços de exportação do suco de laranja concentrado, na safra seguinte é necessário a renegociação da caixa de laranja adquirida pela indústria junto aos produtores para cumprimento dos contratos de exportação de suco de laranja concentrado congelado.
 

d) Teste de Exogeneidade:

Tabela 10 - Teste de exogeneidade sobre os parâmetros de curto prazo (


  
 

            O LEXP reage às variações de LPIEA, isso implica que os preços de exportação do suco de laranja concentrado congelado são afetados pelos preços recebidos pelos produtores de laranja para indústria. Embora esse resultado seja estatisticamente significativo, ele não tem significado econômico, pois isto significaria que a indústria seria tomadora de preço, enquanto que, os produtores seriam formadores. Isso não procede, pois a indústria processadora de suco de laranja concentrado congelado tem estrutura de mercado que se caracteriza por ser oligopolizada com produto homogêneo, enquanto que, os produtores operam numa estrutura de mercado de 'concorrência perfeita', logo, no mercado interno os primeiros são formadores e preços, enquanto que os segundos são tomadores de preços.
 

            Em relação à variável LPIEA, ao se adotar o nível de significância de 5%, essa variável reage às variações de LEXP. Esse resultado está condizente com o que foi mencionado no parágrafo acima.

e) Decomposição da Variância dos Erros de Previsão:
 

Tabela 11 - Resultados da Decomposição da Variância dos Erros de Previsão em Porcentagem 


 

            Decorridos 24 meses após um choque inicial não antecipado sobre LEXP, verifica-se que os preços médios de exportação de suco de laranja concentrado congelado é bastante influenciado por ele próprio em 45,05%, enquanto que os demais 54,94% da formação do preço dessa variável devem-se aos preços recebidos pelos produtores do suco de laranja concentrado congelado. A expectativa seria de que LEXP fosse mais influenciada por ela própria e menos pelo LPIEA, em função das respectivas estruturas de mercado mencionadas anteriormente. Este resultado decorre, possivelmente, da renovação de contratos e do comportamento no mercado spot.
 

Tabela 12 - Resultados da Decomposição da Variância dos Erros de Previsão em Porcentagem 


 

            Decorridos 24 meses após um choque inicial não antecipado sobre LPIEA, observa-se que essa variável é expressivamente influenciada por ela própria (87,57%), sendo que, os restantes 12,42% são devidos a LEXP. Novamente, esse resultado não está muito adequado, mais uma vez, com base nos argumentos utilizados anteriormente. Nesse caso, provavelmente, o resultado decorre da rigidez dos contratos.
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1Para mais informações sobre os métodos utilizados ver MARGARIDO, M. A. Transmissão de preços agrícolas internacionais sobre preços agrícolas domésticos: o caso do Brasil, 2000, 173 p. Tese de doutorado – ESALQ/USP, Piracicaba.
 

2Fonte dos dados do MODELO I e do MODELO II:
Cotação Bolsa de Nova York (LCOT): Bolsa de Nova York.
Preço Médio de Exportação (LEXP): Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
Preços Recebidos pelo Produtor - Laranja para Indústria (LPIEA): Instituto de Economia Agrícola (IEA).
 

3IEA. Instituto de Economia Agrícola. Comércio Exterior - Balança Comercial dos Agronegócios Paulista e Brasileiro no ano de 2010. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/arquivoAN4.php?codTipo=7>. Acesso em: Abril/2010.
 

4NEVES, M. F. O Retrato da Citricultura Brasileira - 2009. Disponível em: <http://www.citrusbr.com.br/ exportadores-citricos/saiba-mais/o-retrato-da-citricultura-brasileira-189513-1.asp>. Acesso em: Abril/2010. 

 

Palavras-chave: transmissão de preços, laranja.


 

 

Data de Publicação: 29/04/2011

Autor(es): Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Arthur Antonio Ghilardi (arthurghi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Andréa Leda Ramos De Oliveira (andrea@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor