Trabalho Decente para Pessoas com Deficiência na Agricultura Brasileira


O acesso a oportunidades de trabalho decente e produtivo para homens e mulheres em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade, apesar de ser direito inerente do ser humano, é ainda algo distante da realidade de muitas pessoas.

 

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919 sob o fundamento e convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social, é a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem por missão promover tais oportunidades. O conceito “trabalho decente”, formalizado em 1999 pela OIT, sintetiza a missão histórica da instituição considerando que o mesmo é condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável2.

 

Dentre os quatro objetivos estratégicos da OIT estão a eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação, a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social. Desde sua criação, foram formuladas convenções e recomendações com o intuito de diminuir e por fim as desigualdades globais consideradas como “inaceitáveis do ponto de vista moral e insustentáveis do ponto de vista político”.

 

O Brasil é país membro da OIT desde sua criação e em consonância com os princípios da entidade lançou em 2006 a Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD)3, que defende dentre três prioridades a geração de mais e melhores empregos com igualdade de oportunidades e de tratamento.

 

Partindo dessas colocações se faz necessária uma análise de como o setor agrícola, caracterizado pela heterogeneidade, se encontra frente a tais desafios de promoção da igualdade de oportunidades e trabalho decente4. Sabe-se que raça, etnia e gênero já são contemplados com políticas razoáveis de proteção e combate à discriminação.

 

A questão que desponta, não por ser inédita e sim pela força com que insurge como parte de um processo maior de empoderamento de direitos fundamentais, é a que trata do exercício do direito ao trabalho decente das pessoas com deficiência, que no Brasil são estimadas em 23,9% da população total5 e estão distribuídas de forma proporcional nas regiões rural e urbana (Figura 1). Considerando apenas as pessoas que apresentam deficiências severas ou totais, elegíveis para programas de políticas públicas, o número decai para 6,9% da população brasileira6, o equivalente a todos habitantes da região Centro-Oeste do país.

 

 

 

Ao longo das últimas duas décadas, a compreensão sobre a deficiência e as pessoas com deficiência evoluiu dramaticamente em muitos setores e partes do mundo. Há uma percepção crescente de que as limitações da participação das pessoas com deficiência na sociedade e suas instituições resultam de interações entre o comprometimento do indivíduo e as barreiras ambientais7. Com a eliminação de tais barreiras e uso de tecnologias assistivas adequadas, quando necessário, é possível para pessoas com condições de deficiência severa exercer atividades profissionais em diversas áreas, inclusive no campo. Exemplos bem sucedidos de inclusão na agricultura podem ser encontrados em países desenvolvidos como Estados Unidos e Suécia, onde os próprios governos coordenam projetos de reabilitação vocacional direcionados a trabalhadores rurais baseados nessas premissas.

 

Legislações antidiscriminação oferecem um ponto de início para a promoção da inclusão. Um exemplo de ação política no Brasil objetivando a inclusão pelo trabalho é a Lei n. 8213/91, conhecida como Lei de Cotas, que determina que empresas com mais de 100 funcionários devam manter em seus quadros funcionais pessoas com deficiência8. Motivo de muita discussão, a lei ainda não é cumprida como deveria sob diversas justificativas como dificuldade de encontrar pessoas elegíveis e falta de capacitação dos candidatos. Acaba ocorrendo muitas vezes que, para cumprir a cota, empresas contratam pessoas com deficiência leve ou alocam os funcionários em funções mais simples, aquém de suas capacidades. Há casos em que colaboradores são instalados em áreas “especiais”, o que reflete despreparo e falta de conhecimento essencial do conceito de inclusão (Figura 2).

 

 

 

 

Trazendo tais considerações para realidade da agricultura brasileira, encontra-se o seguinte cenário no que concerne a trabalho decente para pessoas com deficiência:

São escassos e imprecisos os dados secundários disponíveis referentes a trabalho e emprego para elas no setor agrícola em geral, o que já deve ser considerado como um alerta, pois é a partir de informações dessa natureza que políticas são desenhadas. Acreditando que empresas do agronegócio cumpram fielmente a Lei de Cotas, ainda sim é uma parcela pequena de participação do segmento, já que empresas desse porte situam--se em centros urbanos e os postos disponíveis, como citado, acabam restringindo-se a cargos administrativos com exceções muito pontuais. Existem algumas ações isoladas de integração no setor privado, como a de uma cooperativa rural no Paraná que trabalha com jovens com síndrome de Down. Geralmente iniciativas desta natureza estão abarcadas em programas internos de responsabilidade social.

 

Em entrevistas pessoais com profissionais de campo do agronegócio, com gerentes de multinacionais, diretor de relações governamentais e gerente de usina de cana--de-açúcar, pode-se notar que houve praticamente uma surpresa unânime de todos ao serem questionados sobre a participação destas em atividades da lavoura ou pós--colheita, para eles algo impensado até então. Ativistas de inclusão, como uma deputada federal, outro deputado estadual paulista e até o presidente da maior entidade de reabilitação no país, também se surpreenderam com esta lacuna das pessoas com deficiência no campo.

 

Até o presente momento não há políticas públicas que amparem deficiência e trabalho rural no país, esta é a realidade.

 

Pode-se concluir então que as perspectivas para um futuro que contemple trabalho decente para pessoas com deficiência são muito boas na agricultura. Exatamente, há de se olhar pelo foco da superação e pessoas com deficiência são especialistas nisso. O que deve ser priorizado para que a realidade mude é começar a semear informação de que é possível a inclusão legítima, bastando para isso combater a ignorância, divulgar conceitos corretos, colocar essa inclusão como meta e trabalhar um dia de cada vez. O Brasil possui iniciativas exemplares em outros setores menos estruturados como o dos esportes e ainda sim os atletas paralímpicos brasileiros trouxeram 43 medalhas para o país deixando para trás grandes potências. Que seja esta a principal reflexão.

 

 

 

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1Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. COORDENADORIA NACIONAL PARA INTREGAÇÃO DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA – CORDE. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Brasília: CORDE, 2007. 47 p.

 

2ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT.  Banco de dados. Brasília: OIT. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/apresenta%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 25 jun. 2013.

 

3BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD). Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/antd/>. Acesso em: 26 jun. 2013.

 

4BUAINAIN, A. M. et al. Emprego e trabalho na agricultura brasileira. Brasília: IICA, 2008. 9 v. 512 p. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável).

5INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo 2010. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/resultados_do_censo2010.php>. Acesso em: 25 jun. 2013.

6Considerados os indivíduos com deficiência intelectual, visual, auditiva ou motora em graus severo ou total, que correspondem às respostas “grande incapacidade” ou “deficiência total” no questionário do INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

 

7Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. SILVA, A. P. P. da. Pessoas com deficiência e agronegócio no Brasil: uma semente para reflexão. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 7, n. 10, out. 2012. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=12454>. Acesso em: 25 jun. 2013.

 

8BRASIL. Lei n. 8213/91, de 24 de julho de 1991. Conhecida como “Lei de Cotas” determina que empresas com mais de 100 funcionários devam contratar colaboradores com deficiência. Diário Ofical, Brasília, DF, 24 jul. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm> Acesso em: 25 jun. 2013.

 

 

 

Palavras-chave: mercado de trabalho, inclusão, trabalho decente.

 


 

Data de Publicação: 12/07/2013

Autor(es): Ana Paula Porfírio Da Silva ( anapaula@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor