Petrorrupturas

Dentre os mecanismos de governança das cadeias produtivas, a coordenação via preços é, talvez, aquela de maior emprego no funcionamento das transações mercantis, independentemente da especificidade do ativo envolvido. Apesar de sua abrangência no funcionamento dos mercados, nove entre dez economistas derrapam quando perguntados no que consiste exatamente um preço e como ele é estabelecido1.

O primeiro grande erro muito comum é considerar preço como variável absoluta, tal qual a pressão atmosférica, quando em verdade a natureza do preço é relativa, ou seja, trata-se de um sistema de preços em que as cotações dos ativos correlacionam-se umas com as outras, caracterizando assim sua relatividade.

Por serem relativos, os preços são intrinsecamente instáveis. Do ponto de vista conjuntural, a natureza biológica da produção submetida à imprevisibilidade de longo prazo do clima, a descentralização da produção (o café, por exemplo, é produzido em mais de 150 nações), a geração de expectativas quanto ao equilíbrio entre oferta e demanda mundiais e a relação de paridade entre as moedas nacionais constituem o bojo das flutuações dos preços. Ademais, na origem dessa instabilidade encontram-se as distintas naturezas, específicas de cada ativo. 

O sistema de preços2 possui a função de orientar a alocação dos recursos produtivos e atua na distribuição/concentração da renda e na formação de capital. Entre os problemas na precificação dos ativos, há a interveniência de políticas públicas (tributação e tabelamento - por exemplo o longo período de congelamento dos preços dos combustíveis), administração por parte de cartéis/oligopólios, expectativas de produção/consumo e acúmulo/diminuição de estoques. Essas variáveis configuram complexidade para a formação dos preços.

Para além dos fatores conjunturais mencionados, quatro seguranças estruturais também atuam na formação dos preços: a) militar; b) energética; c) financeira; e d) alimentar. As diversas conflagrações, diariamente noticiadas, não concedem margem para a construção no curto prazo da estabilidade mundial. Por sua vez, a catástrofe de Fukushima aumentou a rejeição social à geração nuclear, ampliando os riscos de escassez energética, enquanto o colapso de 2008 lançou a economia global em período de baixo crescimento e aumento do desemprego. Por fim, os relatos de organismos internacionais atestam que houve ampliação no contingente populacional que padece com carência nutricional e fome, denotando que a humanidade se afastou das condições suficientes para cumprir com a meta de erradicar tão dramático padecimento. Enfim, dessa mistura de imponderáveis (in)seguranças, estabelece-se a contraparte estrutural para a formação dos preços.

No mercado global das commodities (petróleo, metálicas/minerais e agrícolas), o estabelecimento das cotações3 ocorre dentro de bolsas de valores, organizadas com o intuito tanto de minimizar os custos de transação quanto de adicionar confiança às transações, uma vez que somente operadores registrados – que ultrapassam a casa dos milhares - podem nelas atuar, permitindo assim funcionamento eficaz para a compra e venda dos ativos. As cotações que diariamente ali se estabelecem transmitem-se instantaneamente para todo o sistema econômico, contribuindo decisivamente para que se aproxime de almejado “preço justo” da commodity transacionada.

No mercado das commodities existem hierarquias. Aquela que pode ser considerada a rainha de todas as demais é, indubitavelmente, o petróleo. Sob a hipótese dos preços relativos, a demanda global - em grandes quantidades diárias - pelo produto estabelece nas cotações desse ativo parâmetro para todas as demais negociações.

Confrontando as cotações mensais do petróleo com as registradas pelo café arábica, constata-se que existe ligeira correlação com a trajetória das curvas, ao menos em seu sinal. Movimentos ascendentes ou descendentes do ativo primordial (petróleo) são acompanhados pelo secundário (café). Ainda que tênue, esse vínculo possibilita a construção de cenários para cotações futuras (Figura 1).

Desde agosto de 2013, os preços do barril do petróleo tipo Brent vêm caindo US$10/mês, atingindo cotações próximas dos US$70/barril. Em reunião recente da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), o mais temido de todos os cartéis, ratificou-se a decisão de manter a oferta diária em 30 milhões de barris ao dia. Esse patamar de oferta tende a manter as cotações deprimidas, contribuindo inclusive para acentuação da tendência de queda.

No mercado de café, prevalece insegurança entre os investidores/especuladores quanto ao patamar que alcançará a colheita da safra 2015/16 no Brasil. Estimativas privadas e da Organização Mundial do Café indicam que o consumo de estoques nas duas últimas safras tenha atingido entre 10 milhões e 13 milhões de sacas para atender a escassez de oferta. Assim, à primeira vista, as causas da escalada nas suas cotações decorre de aspectos intrínsecos ao seu mercado e a seus fundamentos. Todavia, um olhar mais

 

atento constata que as cotações do café em poucas ocasiões desgarraram-se das do petróleo, havendo paralelismos entre ambas as curvas.

Ainda que o ambiente para o estabelecimento das cotações do café carregue a insegurança quanto às condições para satisfação do suprimento global, o despencar das cotações do petróleo pode consistir em limitador para a elevação das do arábica. A atual volatilidade nas cotações do café – da ordem de 50%4 - resulta, em parte, dessa análise, que não escapa aos administradores de carteiras de investimento e de fundos.

Assim, as cotações do petróleo em baixa têm o potencial de trazer consigo as cotações do conjunto das demais mercadorias globalmente transacionadas, levando a economia a operar em patamar menos dinâmico. Certamente, nesse quesito se adiciona mais um condimento para a estagnação que ronda o ambiente de negócios.

 

________________________________________________ 

1O máximo que se consegue obter é a clássica definição: trata-se da quantia em dinheiro pela qual uma determinada mercadoria pode ser vendida. O entendimento, por exemplo, que toda a transação de compra e venda resulta em mais valor social, mesmo sob a prevalência de assimetrias de informações, é algo absolutamente ignorado.

2O preço possui suas mutações que, por vezes, também escapam a maior parte das pessoas como: o decorrente do trabalho, que se denomina salário; o do dinheiro, chamado de juros; e do direito de uso por renda ou arrendamento como comumente empregado no jargão da economia agrícola.

3Preço e cotações não podem ser admitidos como sinônimos, pois o primeiro é resultado de transações que efetivamente ocorreram, enquanto a segunda diz respeito à sinalização para que os negócios possam ser iniciados.

4VEGRO, C. L. R.; SCHOUCHANA, F. Padrão volátil para a curva futura das cotações do café. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 9, n. 10, out. 2014. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=13497>. Acesso em: nov. 2014.

Palavras-chave: cotações do café, Bolsa de Valores.

Data de Publicação: 09/12/2014

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor