Nitrogênio: um dilema entre produzir e poluir?

As atividades econômicas são processos produtivos que se desenvolvem por meio de fluxos de matéria e energia, nos quais esta e os recursos naturais entram como matérias-primas para gerar um ou mais produtos, liberando rejeitos e energia. Os processos de produção são considerados como sistemas abertos, mas eles ocorrem em um sistema fechado: o planeta Terra. Portanto, independentemente da atividade produtiva, quando ela libera rejeitos (ou poluentes), estes ficam retidos na atmosfera terrestre.

No momento, os “poluentes” que mais preocupam a humanidade são os gases de efeito estufa, responsáveis pelo equilíbrio da temperatura média da Terra, cujo excesso de liberação decorrente de ações antrópicas, têm elevado a temperatura média do planeta.

As emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEF) totalizaram 1.203,424 GgCO2eq, em 2012, colocando o país entre os dez principais “poluidores” do globo terrestre. Desse total, 37,0% é emitido pelo setor agropecuário (Figura 1).

 

Dentre os principais gases de efeito estufa emitidos pela agropecuária, destacam- -se o carbônico (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).

As emissões de gás carbônico decorrem principalmente de alterações no uso do solo ou, mais especificamente, do desmatamento para expansão de cultivos e, principalmente, de pastagem. A liberação do metano ocorre, sobretudo, de um processo inerente à digestão dos animais ruminantes, chamado fermentação entérica, enquanto o óxido nitroso tem como principal fonte emissora o manejo dos solos, o qual depende de decisões antrópicas como, por exemplo, a aplicação de fertilizantes nitrogenados (formulados à base de compostos químicos N-P-K).

Os fertilizantes, assim como o Sol, sob o ponto de vista econômico, integram o conjunto de fatores de produção e correspondem a “energia” necessária a todo processo produtivo, pois são de grande importância para o desenvolvimento final das plantas (ou alimentos), a saber1:

1)  O nitrogênio (N2), presente no ar, responde pela formação de aminoácidos e proteínas e, portanto, pela manutenção do crescimento da planta. Mas somente certas bactérias e algas podem absorvê-lo da atmosfera. Assim, o nitrogênio se constitui em matéria-prima para a produção de fertilizantes sintéticos, também chamados de “nitrogenados”, como a amônia e a ureia, as quais são obtidas por reação química entre o nitrogênio molecular (N2), por meio de microrganismos fixadores, e o hidrogênio, retirado de derivados do petróleo, principalmente o gás natural;

2)  O fósforo (P) é obtido por uma atividade extrativa mineral, a exploração da rocha fosfática. Esse macronutriente é responsável por auxiliar as reações químicas que ocorrem nas plantas, interferindo nos processos de fotossíntese, respiração, armazenamento e transferência de energia, divisão celular e crescimento das células; e

3)  O potássio (K), obtido principalmente a partir do cloreto de potássio, é encontrado na maioria das vezes em camadas sedimentares, sendo importante para a manutenção de água nas plantas, formação de frutos e resistência ao frio e às doenças.

Com base na importância desses nutrientes para as plantas, compreende-se o porquê de sua aplicação na agricultura: os fertilizantes nitrogenados correlacionam-se diretamente ao aumento da produtividade dos alimentos e das matérias-primas do agronegócio brasileiro. Embora essa correlação conceda aos fertilizantes nitrogenados importância fundamental em um mundo no qual já não se pode mais expandir a fronteira agrícola por meio de desmatamentos, algumas implicações de seu uso têm efeito negativo sobre o meio ambiente:

1)  As matérias-primas N, P, K que compõem os fertilizantes nitrogenados são obtidas de combustíveis fósseis ou por meio de produção extrativista, a qual, exercida de modo predatório e/ou sem os devidos cuidados, interfere no meio ambiente e em sua biodiversidade;

2)  Reações envolvendo nitrogênio liberam óxido nitroso (N2O), gás de efeito estufa que, além de permanecer por mais tempo na atmosfera, tem um poder de aquecimento global 310 vezes maior que o do CO2; e

3)  Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o óxido nitroso responde por 7,5% do efeito estufa mundial e sua concentração na atmosfera está aumentando a uma taxa de cerca de 0,2% a.a.

Considerando-se as correlações positivas entre a adubação nitrogenada e a produção de alimentos, bem como a proporcionalidade ascendente entre o uso desse energético e a emissão de óxido nitroso, a aplicação de fertilizantes nitrogenados pode ser vista como um dilema entre o aumento da produção agrícola e o aumento da poluição atmosférica?

A resposta a essa pergunta deve perpassar por uma análise das estimativas oficiais das emissões de gases de efeito estufa do setor agropecuário.

Solo é a principal fonte global de óxido nitroso (N2O). Suas emissões, em equivalente gás carbônico, são da ordem de 161.311 GgCO2 eq, representando 36% das emissões de gases de efeito estufa da agropecuária brasileira, atrás apenas da fermentação entérica, com 55,6% (Figura 2).

 

Do volume total de gases de efeito estufa transmitidos à atmosfera pelo solo, 18,4% decorrem da aplicação de fertilizantes nitrogenados, seja como fonte indireta (8,8%) ou direta de nitrogênio (9,4%) (Tabela 1).

 

Emissões indiretas de gases de efeito estufa por parte dos fertilizantes decorrem, sobretudo, da lixiviação (7,8%).

Cerca de 60,0% do nitrogênio presente nos fertilizantes não chega a ser incorporado pelas plantas, ficando livre para escorrer nas zonas de raízes e então poluir rios, lagos, aquíferos e áreas costeiras por meio da eutrofização. Assim, infere-se que boa parte das emissões indiretas é causada pelo uso inadequado do fertilizante, seja no volume aplicado, seja no método utilizado. Nesse sentido, melhorar a eficiência do uso de fertilizante nitrogenado, ou seja, a aplicação em volume que respeite as especificidades edafloclimáticas regionais de cada cultura, bem como minimize impactos ambientais decorrentes da técnica de aplicação considerada, pode reduzir significativamente as emissões de GEF.

Já as perdas de nitrogênio do solo na forma gasosa (emissões diretas) contribuem com 9,4% da transmissão dos gases de efeito estufa para a atmosfera terrestre e decorrem, principalmente, da volatilização da ureia.

Dentre os fertilizantes nitrogenados mais utilizados no Brasil, a ureia é a mais requerida para adubação em culturas, principalmente em gramíneas, devido à alta concentração de nitrogênio e ao menor preço por unidade de nutriente aplicado. Mas, por ser um produto muito instável, quando aplicada ao solo a ureia pode facilmente ser hidrolisada e perdida para atmosfera na forma de gás amônia e CO22.

Estimativas de perdas de amônia por volatilização na agricultura brasileira têm determinado que estas podem chegar a 35,0%, com a aplicação superficial na agricultura convencional e 80,0%, quando da aplicação superficial de ureia na palhada (sistema plantio direto)3. Em pomares de citros, as perdas de nitrogênio por volatilização de ureia (NH3) reduzem a eficiência do fertilizante nitrogenado aplicado na superfície e sem incorporação, podendo chegar a 44,0% do total aplicado, mesmo quando a reação do solo é ácida4.

No Estado de São Paulo, a resposta na produtividade da cana-planta devido à aplicação de nitrogênio é pequena, mas, mesmo assim, são utilizadas entre 30 e 60 quilogramas de nitrogênio por hectare. Já nas soqueiras, a produtividade é altamente influenciada pela aplicação do nitrogênio, sendo comum a utilização de 80 a 150 quilogramas por hectare, dependendo do ambiente de produção, da variedade e da idade do canavial5.

De acordo com o exposto, percebe-se que as emissões de óxido nitroso decorrentes da volatilização da ureia variam de acordo com a técnica de aplicação, bem como entre culturas e com as especificidades de cada uma, seja com relação ao volume aplicado, seja a fase do processo produtivo. Em verdade, Cantarella (2007)6 comprova que as condições climáticas também interferem no comportamento do nitrogênio no solo. O autor realça que as altas temperaturas também podem acelerar o processo de volatilização pela ativação da enzima uréase, a qual também sofre influência da umidade do solo.

Mas os números do IPCC são gerais. O cálculo das emissões provenientes da adubação nitrogenada é feito a partir dos volumes de adubo entregue ao consumidor, segundo informações da Associação Nacional para a Difusão de Adubos (ANDA), ou seja, pressupõe que todo o adubo comprado foi efetivamente aplicado ao solo, o que pode levar a uma superestimação do volume efetivamente aplicado. Além disso, o IPCC assume, atualmente, um fator médio de emissão de N2O do fertilizante nitrogenado de 1,25%, com uma amplitude de variação de nove vezes, ou seja, de 0,25 a 2,25%, mas desconsidera as peculiaridades quanto a forma de aplicação, o tipo de solo e sua drenagem, o clima de cada região onde o adubo é aplicado, bem como qual cultura precedia o cultivo atual. Existem poucas avaliações sobre a emissão do óxido nitroso específicos por tipo de cultura e, dentre estas, em diversos cultivares, nos diferentes tipos de solo e de clima. Nesse sentido, seria interessante fomentar pesquisas que levantassem dados mais precisos das emissões de óxido nitroso considerando tais diversidades de modo a viabilizar a construção de fatores de emissão nacionais, em detrimento dos fatores de emissão recomendados pelo IPCC.

Somente com fatores de emissão que respeitem as condições específicas de cada país no que se refere à solo, clima e manejo das culturas, bem como com melhorias na forma de cálculo das emissões, será possível saber a real contribuição dos fertilizantes na liberação brasileira de gases de efeito estufa.

  

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1COSTA. L.M.; OLIVEIRA e SILVA, M. F. A indústria química e o setor de fertilizantes. Rio de Janeiro: BNDES, 2012. 49 p. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias
/Arquivos/conhecimento/livro60anos_perspectivas_setoriais/Setorial60anos_VOL2Quimica.pdf>. Acesso em: 7 fev. 2013.

 

2COSTA, A. C. S. et al. Perdas de nitrogênio por volatilização da amônia em três solos argilosos tratados com ureia. Acta Scientiarum Agronomy, Maringá, v. 26, n. 4, p. 467-473, 2004.

 

3CABEZAS, W. A. R. L.; KORNDÖRFER, G. H.; MOTTA, S. A. Volatilização de N-NH3 na cultura do milho: II. avaliação de fontes sólidas e fluidas em sistema de plantio direto e convencional. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, v. 21, p. 481-487, 1997.

 

4MATTOS JUNIOR, D.; CANTARELLA, H. e.; QUAGGIO, J. A. Solos e nutrição: perdas por volatilização do nitrogênio fertilizante aplicado em pomares de citros. LARANJA, Cordeirópolis, v. 23, n. 1, p. 263-270, 2002.

 

5ROSSETO, R.; SANTIAGO, A. D. Correção e adubação. Brasília: Ageitec. Disponível em: <http://www.agencia.
cnptia.embrapa.br/gestor/cana-de-acucar/arvore/CONTAG01_6_711200516715.html>. Acesso em: 6 out. 2015. 

 

6CANTARELLA, H. Nitrogênio. In: NOVAIS, R. F. et al. (Eds.). Fertilidade do solo. Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciências do Solo, 2007. p. 375-470.
 

Palavras-chave: emissões agropecuárias, gases de efeito estufa, óxido nitroso.


Data de Publicação: 06/11/2015

Autor(es): Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor