Café: catação também é produção¹


Taunay, em “Pequena História do Café no Brasil”2, registra que o primeiro embarque de café, realizado em 1616 pela Companhia das Índias Orientais com destino à Holanda, proveio da região denominada à época de Levante (ou Grande Síria), território que englobava o este país, mais Jordânia, Israel e Palestina. Curiosamente, Levante voltou ao momento histórico atual, em razão de se assemelhar ao território reivindicado pelo Estado Islâmico para a constituição de seu pretenso califado.

Se por um lado, a conexão entre Levante e o comércio de café pode ser historicamente estabelecida, por outro, no caso estatístico, a deficiência do levante (amento) da safra de café brasileira teima em perdurar. Por dois anos consecutivos, 2014 e 2015, o Brasil embarcou rumo ao exterior quantidades recordes de café que, quando acrescentadas ao consumo interno (estimativa de entidade privada provavelmente alavancada)3 e a estimativa pública dos estoques de passagem (também bastante imprecisa), produz inconsistência abissal frente a estimativa de produção.

O cadastro de estabelecimentos rurais, empregado no processo de amostragem estatística para a elaboração de estimativa da produção brasileira, provém do Censo Agropecuário. Após dez anos, essa base defasou, amplificando desvios em qualquer tentativa metodologicamente consistente de constituição de amostra representativa dessa população4. Lamentavelmente, com o derretimento fiscal do Estado, a esperança de que um novo recenseamento seja conduzido em breve pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é remota.

Para além dessa deficiência de dados estatísticos, outro aspecto que poderia oferecer ajustamento mais preciso para a safra brasileira de café seria a contabilização da chamada catação (resultado da apanha dos primeiros frutos produzidos). Com o avanço tecnológico/agronômico dos últimos 25 anos, lavouras em segunda metade da fase de formação (18 a 30 meses após o plantio) exibem catações em quantidades que, por vezes, superam a média de lavouras em fase de produção, especialmente quando irrigadas. Tal constatação é mais efetiva para conilon do que para arábica, tendo em vista o salto de produtividade obtido a partir dos sistemas de produção com emprego das variedades clonais.

Esforço em calcular, subjetivamente, a quantidade oriunda da catação foi conduzido a partir dos dados finais da previsão de safra 2015/16 da CONAB5. Pelo relatório apresentado, havia no país 324.205 hectares de lavouras em formação, repartidos entre 287.109 de arábica e 37.096 de conilon.

Considerando como primeiro critério6 que 40% dessa área se encontra na etapa mais adiantada da formação, ou seja, entre 18 a 30 meses do plantio, pode-se extrair área provável ocupada por lavouras neste perfil. Ademais, como segundo critério, pode-se imputar, tanto para arábica quanto para conilon, percentuais para o manejo agronômico da irrigação. Adotados esses critérios, obteve-se que a área em formação das lavouras entre 18 a 30 meses cultivadas sob sequeiro somariam área de 98.721 hectares, sendo outros 30.960 hectares cultivados sob irrigação (Tabela 1)

 

Tabela 1 – Estimativas de Área em Formação, de Lavouras entre 18 e 30 Meses após Plantio, Variedades Arábica e Conilon, Brasil, 2015

(em ha)

Item

Em formação

Lavouras (18 a 30 meses)
40% da área

Manejo agronômico1

Arábica (BR)

287.109

114.843

Sequeiro (85%)

Irrigado (15%)

97.616

17.226

Conilon (ES+BA)

30.192

12.077

Sequeiro (0%)

Irrigado (100%)

-

12.077

Conilon (RO)

6.904

2.762

Sequeiro (40%)

Irrigado (60%)

1.105

1.657

1O objetivo em estratificar a estimativa orientou-se no sentido de produzir aproximações mais reais, embora a subjetividade do método permaneça como principal limitação.

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados da COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB. Acompanhamento da safra brasileira: café. Brasília: CONAB, dez. 2015. Disponível em: <http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/
arquivos/15_12_17_09_02_47_boletim_cafe_dezembro_2015_2.pdf>.  Acesso em: 04 jan. 2016.

 

Para o caso do conilon, entendeu-se apropriado segmentar essa lavoura em dois grupos. O primeiro, mais tecnologicamente avançado, estabelecido no norte capixaba e sul da Bahia; e o segundo, relativamente menos evoluído, em Rondônia. Ademais, adotou- -se menor cobertura para a irrigação para o cinturão rondoniense em razão do clima tipicamente amazônico com grande incidência de precipitações bem distribuídas ao longo do ano.

De posse das estimativas de área e de manejo, partiu-se para a simulação de produção (em sacas de 60 kg) a partir de dois cenários para a produtividade: A (pessimista) e B (otimista), mantendo o critério de manejo agronômico de condução sob sequeiro ou irrigado (Tabela 2).

Pelas estimativas obtidas, a catação das lavouras entre 18 a 30 meses em arábica sequeiro pode oscilar entre 976,2 mil e 1,95 milhão de sacas de café beneficiado, para a safra 2015/16. Para a mesma variedade, porém sob manejo irrigado, a catação alcançaria

Tabela 2 – Estimativa Subjetiva de Catação, Lavouras entre 18 e 30 Meses após Plantio, Variedades Arábica e Conilon, Brasil, 2015

(em sc./ha)

Item

Produtividade (lavouras entre 18 a 30 meses)

Sequeiro (cenário A e B)

Irrigado (cenário A e B)

Arábica (BR)

A:10
976.160

B:20
1.952.320

A:30
516.780

B:40
689.040

Conilon (ES+BA)

-

 -

A:45
543.465

B:65
785.005

Conilon (RO)

A:10
11.050

B:15
16.575

A:15
24.855

B:30
49.710

Fonte: Dados da pesquisa.

 

entre 516,8 e 689,0 mil sacas. Totalizando a catação obtida em arábica e conilon, sob os manejos de sequeiro e irrigado, acrescentaria à produção 2,07 milhões de sacas no cenário pessimista (A). Por sua vez, no cenário otimista (B), a catação de lavouras em sequeiro e irrigadas poderia render até 3,49 milhões de sacas (Tabela 3).       

 

Tabela 3 – Incremento da Produção a partir da Estimativa Subjetiva da Catação, Lavouras entre 18 e 30 Meses após Plantio, Variedades Arábica e Conilon, Brasil, 2015

(em sc. de 60 kg)

Item

Sequeiro

Irrigado

Total

Cenário A

987.210

1.085.100

2.072.310

Cenário B

1.968.895

1.523.755

3.492.650

Fonte: Dados da pesquisa.

 

Provavelmente, a produção real oriunda da catação em 2015/16 deva se situar entre os dois números estimados. A estimativa efetuada concentrou-se na última safra apenas, que casualmente foi a que maior área em formação exibiu na atual década. Portanto, para as safras passadas, o intervalo entre os cenários deve posicionar-se em patamares inferiores ao obtido nessa simulação.

O avanço tecnológico observado no manejo agronômico das lavouras de café exige que se reveja o modo como se constroem as estimativas de produção. Desprezar a quantidade colhida oriunda da catação obtida em lavouras em fase adiantada de formação, aparentemente, consiste em falha que pode ser corrigida a partir da agregação de mais uma pergunta na enquete aos cafeicultores. Alternativamente, pode-se passar a considerar lavouras produtivas todas aquelas com mais de 18 meses de plantio, agregando à produção aquela oriunda da catação.

 

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1Artigo originalmente publicado na “Revista do Café”, do Centro do Comércio do Café do Rio de Janeiro, edição de dezembro de 2015. 

2TAUNAY, A. de E. Pequena história do café no Brasil (1727-1940). Brasília: Instituto Brasileiro do Café, 1943. 480 p. 

3Ao menos, a estimativa de consumo nas propriedades produtoras de café avaliada pela entidade que a produz, em um milhão de sacas, pode conter entre 600 a 800 mil sacas de sobre-estimativa, conforme já se averiguou a partir de recenseamento realizado para o caso paulista. 

4A Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais, em parceria com a Universidade Federal de Lavras (UFLA), iniciou em 2015 projeto de georreferenciamento da cafeicultura estadual. Convém salientar que o ajuste da área que será obtido pela técnica carece ainda de visitas de campo para mensuração da produtividade. MG investirá R$ 5 mi em georreferenciamento de parque cafeeiro. Globo Rural, São Paulo, jun. 2015. Disponível em: <http://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/Cafe/noticia/
2015/06/mg-investira-r-5-mi-em-georreferenciamento-de-parque-cafeeiro.html> Acesso em: 04 jan. 2016. 

5COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB. Acompanhamento da safra brasileira: café. Brasília: CONAB, dez. 2015. Disponível em: <http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/15_12_17_09_02_47_boletim_cafe_dezembro_2015_2.pdf>.  Acesso em: 04 jan. 2016. 

6Todo critério é arbitrário, portanto, passível de contestação a partir de perspectivas alternativas. Como enfatizado, trata-se de esforço subjetivo com intuito de aprimoramento da estatística de produção. 

Palavras-chave: previsão de safras, safra de café, estatísticas agrícolas.


Data de Publicação: 19/02/2016

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor