Downsizing Proteico

A produção brasileira de proteína animal de qualidade é, majoritariamente, constituída por três grandes criações: bovídeos (corte, leite e bubalinos), suínos e aves. Entre 70% e 80% da produção se destina ao suprimento do mercado interno2. Em razão de seu grande mercado consumidor, o Brasil é líder global nas exportações de carne de frango, sendo importante fornecedor de carnes bovina e suína.

No período 2006 a 2015, a composição da dieta do brasileiro incrementou-se com consumo de proteína de qualidade. Considerando apenas as carnes bovina, suína e de frango, o consumo aparente diminuiu de 19,12 milhões de toneladas para 18,85 mt, representando queda de 1,45% entre 2015 e 20163. Tal elevação contribui no mais adequado equilíbrio do cardápio diário do brasileiro, pois atualmente há nítida inadequação decorrente da preponderância de alimentos energéticos e lipídicos. Esse aspecto repercute sobre a saúde da população com rápido aumento dos casos de obesidade doenças a ele correlatas.

Nos dois últimos anos (2015 e 2016), houve acentuado encolhimento da economia brasileira (queda do PIB de -3,8% e de -3,6%, respectivamente) com expansão relevante da parcela da população economicamente ativa em condição de desemprego aberto (Tabela 1).

 

Tabela 1 – Variações trimestrais do PIB e da Taxa de Desemprego, Brasil, 2015 e 2016

(%)

Ano

Var. trimestral do PIB

 

Evolução trimestral do desemprego

1º trim.

2º trim.

3º trim.

4º trim.

 

1º trim.

2º trim.

3º trim.

4º trim.

2015

-0,9

-2,3

-1,6

-1,1

7,9

8,3

8,9

9,0

2016

-0,5

-0,4

-0,8

-0,5

 

10,9

11,3

11,6

12,0

Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados básicos do INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Banco de dados. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/pib-vol
-val_201603_6.shtm>. Acesso em: jan. 2017.

 

As estatísticas econômicas concedem suporte para os resultados do comércio varejista. Em 2015, houve encolhimento de 4,2% nas vendas do chamado varejo restrito (excluindo-se concessionárias de veículos e distribuidores de materiais de construção), seguindo-se 2016 com nova redução de 6,5%. Essa queda tem profundos impactos na economia, uma vez que o comércio varejista como um todo (ampliado) representa mais de 55% da ponderação do PIB4.

O contexto recessivo pelo qual atravessa a economia do conturbado Brasil possui paralelos históricos. Os períodos das presidências de José Sarney e Fernando Collor de Mello foram igualmente marcados por crises muito acentuadas com agravantes de colapso na balança de pagamentos e calotes nos compromissos financeiros (dívida interna e externa). Entretanto, nunca uma crise econômica é similar a anterior, não se constituindo a de agora numa exceção. Nas anteriores, quando havia uma restrição na renda das famílias ou elevação nos preços da carne bovina, imediatamente ocorria a substituição por carne de frango no cardápio cotidiano. O que se constata nesses dois últimos anos, contrariando períodos anteriores, foi a queda na comercialização de aves (frango, peru e chester). Para o caso do frango, a Associação Brasileira de Proteína Animal informa que a queda no consumo atingirá 4,95%, baixando de 43,25 kg/hab./ano para 41,10 kg/hab./ano5, 6. Complementarmente, a entidade informa ainda que, pelo segundo ano consecutivo, a tradicional venda de peru e outras aves natalinas tiveram redução7. Por sua vez, o incremento esperado para o consumo de carne suína em 2016 será de pouco mais de 2,5% (de 15,1 kg/
hab./ano para 15,4 kg/hab./ano – estimado a partir da variação observada no ano anterior), absolutamente insuficiente para compensar a redução observada nas aves, particularmente em frangos.

O rebaixamento da qualidade da proteína consumida cotidianamente pelo brasileiro pode ser confirmado pelo avanço no consumo de ovos. Das 191 unidades/hab./ano consumidas em 2015, espera-se salto para 201 unidades/hab./ano, ou seja, incremento de 5%8. Outros itens também passaram a participar mais frequentemente da mesa, como a salsicha (3,07% de incremento entre 2015 e 2016)9 e a mortadela, além do retorno às gôndolas de produtos pouco nobres, como pés, dorso e fígado de frango10.

O encolhimento do consumo alimentar de proteína animal de qualidade constitui mais um desdobramento da severa crise pela qual passa a economia brasileira. Desvelar essa condição permite aos formuladores de políticas desenhar mecanismos para que, apesar do desemprego e das dificuldades em superar a crise econômica, permitam arrefecer a diminuição da participação de proteína animal de qualidade no cotidiano da alimentação do brasileiro.

 

 

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1O autor agradece aos comentários e sugestões do Eng. Agr., MS, Antônio Luis Jamas.

 

2DEPARTAMENTO DE PESQUISAS E ESTUDOS ECONÔMICOS - DEPEC. Carne bovina. São Paulo: DEPEC/Bradesco, nov. 2016. Disponível em: <https://www.economiaemdia.com.br/EconomiaEmDia/pdf/infset_carne_bovina.
pdf>. Acesso em: jan. 2017.

 

3Informação gentilmente oferecida por César Castro Alves, consultor da MBAGRO.

 

4TERRA, E. Estudo: o papel do varejo na economia brasileira. Brasília: SBVC, mar. 2015. 177 p. Disponível em: <http://www.sbvc.com.br/wp-content/uploads/2015/04/O-Papel-do-Varejo-na-Economia_apresenta%C3%A7
%C3%A3ooficial1.pdf
>. Acesso em: jan. 2017.

 

5Salienta-se que, em 2011, o consumo interno per capita de carne de frango atingiu o recorde de 47,4 kg. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÍNA ANIMAL - ABPA. Relatório anual 2016. São Paulo: ABPA, 2016. 136 p. Disponível em: <http://abpa-br.com.br/storage/files/versao_final_para_envio_digital_1925a_final_abpa_relatorio_anual_2016_portugues_web1.pdf>. Acesso em: jan. 2017.

 

6MENDES, L. H.; NAVARRRO, K. Outro Natal magro para as empresas de carnes do país. Valor Econômico, São Paulo, 16 dez. 2016. Disponível em: <http://www.valor.com.br/agro/4809307/outro-natal-magro-para-empresas-de-carnes-do-pais>. Acesso em: jan. 2017. 

 

7Op. cit. nota 6.

 

8Dados do IBGE contabilizaram recorde na produção de ovos no segundo trimestre de 2016 com majoração positiva de 5% totalizando 757,51 milhões de dúzias produzidas no período. OLIVA, F. Mesmo em ano difícil, setor de ovos obtém resultado satisfatório. In: ANUÁRIO’ 2017 da Avicultura Industrial. São Paulo, n. 11, p. 64-66, 2016.

 

9O consumo de salsichas em 2015 foi de 321.519 toneladas, e no ano seguinte, 331.406 t. Dado gentilmente cedido pela equipe técnica de inteligência de mercados da JBS Foods Commodities Agrícolas.

 

10Em conversas com representantes do segmento, relatou-se que os pedidos dos varejistas de pés, fígado e dorso, antes inexistentes, ressurgiram, indicando a dificuldade dos consumidores em manter a qualidade proteica de sua dieta ao substituírem a carne de frango por tais “retalhos”. A Cooperativa Pecuária Holambra relata o fenômeno em MARQUES, H. L. Pressão de custos sobre o setor avícola. In: ANUÁRIO’ 2017 da Avicultura Industrial. São Paulo, n. 11, p. 44-46, 2016. 

 

Palavras-chave: consumo de proteína animal, mercado de carnes, consumo de carne.

Data de Publicação: 05/01/2017

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor