Controle Biológico: tecnologias na construção de oportunidades no Brasil

Os desafios tecnológicos relacionados à sanidade vegetal constantemente criam novos caminhos na busca pela qualidade e produtividade das produções agrícolas, aliadas à conservação e proteção ambiental e ao desenvolvimento socioeconômico. Essa condição construiu trajetórias tecnológicas apoiadas no avanço da indústria da química fina somado aos conhecimentos das ciências agronômicas e na formação de mercado com a participação de empresas, em sua maioria, sediadas na Alemanha, Estados Unidos e Japão e atuan-
tes em ambiente competitivo, porém, as dez maiores empresas dominam mais de 80% do mercado1.

No Brasil, os agroquímicos associados a outras tecnologias, inclusive as organizacio-
nais e políticas, contribuíram para o avanço da produtividade da agricultura brasileira que, na década de 1990, cresceu a uma taxa anual de 2,64%, passando para 5,62% nos anos 2000, destacando-se no contexto mundial entre os países de maior produtividade2. No período recente, 2011 a 2014, o comércio daqueles insumos registrou incremento anual nos volumes vendidos, encerrando o ano de 2014 com quase 350 mil toneladas comercializadas para os ingredientes ativos e pouco mais de 900 mil toneladas para os produtos comerciais. Em 2015 a retração das vendas para os produtos comerciais chegou a 3% e mesmo com aumento de 12% para os ingredientes ativos, verificou-se retração de 22% nos valores comercializados, totalizando US$9,6 bilhões3, 4, 5.

Em 2016 a queda nos valores comercializados se mantém, registrando retração de 22% em relação ao ano de 2014 e condiciona expectativas de continuidade da tendência de queda para os anos seguintes. Ao se considerar as vendas de agroquímicos por classe de produto, ainda em 2016, verifica-se que os fungicidas passaram a ser os produtos mais comercializados, respondendo por 33% do total, uma situação vinculada à ferrugem da soja. Na sequência estão os herbicidas com 32%, seguidos dos inseticidas com 29%. A nova distribuição das vendas por classe de produtos também está relacionada à redução de 12% na comercialização dos inseticidas que, apesar da demanda aquecida, disputa espaço com o comércio ilegal de produtos. Por outro lado, é mantido o crescimento das importações de agroquímicos, respondendo por 85% do total comercializado6.

Essa indústria e seus mercados, atuantes e atentos ao vigoroso agronegócio brasileiro, além das questões relacionadas ao comércio ilegal, convive com a necessidade de alto investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) na busca por novos produtos e processos, em negócios tratados no ambiente de patentes e produtos genéricos, e na construção de estratégias de posicionamento no mercado e lucratividade. Da mesma forma, embora diante da facilidade e previsibilidade de aplicação dos agroquímicos, a realidade da produção agrícola e a preocupação da sociedade com os impactos da agricultura expõem lacunas importantes, tais como: elevada participação nos custos de produção; redução e perda de eficiência dos produtos químicos; a chamada resistência, alertas aos padrões ambientais e de saúde humana, expressos na contaminação ambiental; desequilíbrio biológico; perda da diversidade ecossistêmica; intoxicação de agricultores; e contaminação da cadeia alimentar7, 8.

A complexidade colocada demanda por soluções que não envolvem, apenas, a simples substituição de tecnologias e sim a adequação dos sistemas de produção. Nesse cenário, o controle biológico em interação com outras tecnologias, a exemplo das técnicas do Manejo Integrado de Pragas (MIP) e da produção orgânica, contribui para traçar caminho alicerçado no balanço entre a produção de alimentos e os seus impactos. O desenvolvimento de tecnologias de base biológica para controle fitossanitário, no Brasil, é colocado como recente e marcado por interrupções. Porém, na década de 1980, podem ser pontuadas ações voltadas à organização da estrutura de pesquisa e ensino, associada à formação de empresas e ao registro e comercialização de produtos9.

Essa estrutura avança, e nos 1990 são intensificadas as construções de marcos regulatórios por meio da edição de instruções normativas, resoluções, decretos, leis e outros, vinculadas a órgãos como Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Nos anos mais recentes, as várias atividades voltadas ao desenvolvimento do controle biológico vêm tomando espaço e incorporando novas estratégias, a exemplo da criação da Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBIO)10.

O ambiente institucional estabelecido proporciona o registro dos biodefensivos compondo banco de informações disponibilizadas junto à ABCBIO e ao Sistema AGROFIT do MAPA, que também agrega o registro dos agrotóxicos. No exame das informações sobre os biodefensivos é possível verificar o registro de quase 300 itens para vários alvos biológicos e aptos para utilização em todos os cultivos agrícolas. Ao se considerar o registro dos biodefensivos por classe é possível notar que os produtos voltados ao controle de insetos se destacam, com 65% de bioinseticidas e 7% de inseticidas microbiológicos (Figura 1).

 

Dentre os bioinseticidas tem destaque ingredientes ativos como a bactéria Bacillus thurngiensis e seus alvos, helicoverpas, lagartas e brocas que respondem por 38% do total de registros, além dos fungos Beauveria bassiana para moscas, ácaros e brocas e Metarhizium anisopliae para cigarrinhas das pastagens e de raízes, que representam, respectivamente, 9% e 11% do total de produtos registrados.

Conforme apresenta a figura 1, a classe dos agentes de controle biológico corresponde a 15% do total de registros. Nessa classe de produtos, 45% têm como ingrediente ativo a Cotesia flavipes e 11% para Trichogramma galloi, ambos insetos destinados ao controle da broca da cana e broca do colmo, assim como 30% para Trichogramma pretiosum destinado ao controle de lagartas. Cabe destacar os biofungicidas que representam 6% do total de registros e, ainda, os registros de inseticidas biológicos, bionematicidas e nematicidas microbiológicos, agrupados em outros.

O reconhecido espaço que vem ocupando as tecnologias em controle biológico está presente nas perspectivas de expansão do mercado para os próximos anos, na movimentação das empresas tanto aquelas dedicadas à produção de biodefensivos quanto aquelas que atuam e dominam parte do mercado de agroquímicos. Ao mesmo tempo, esse movimento mobiliza oportunidades colocadas pela busca por soluções para a superação das questões ligadas ao controle dos agroquímicos e expõe desafios.

Dentre os desafios, é possível destacar a necessária ampliação da disponibilidade de produtos, como aqui discutido, que se mostra, ainda, um tanto concentrada em classes de produtos e ingredientes ativos, reflexo não só da demanda pelo desenvolvimento de pesquisas envolvendo a identificação de novos agentes e suas interfaces com pragas e doenças importantes na diversidade de culturas exploradas pela agricultura brasileira e seus vários modelos de produção, mas também no avanço das tecnologias de produção, acondicionamento e aplicação dos biodefensivos. Nesse sentido, além da geração de conhecimento, ações voltadas ao aprimoramento da legislação que norteia o registro e a disponibilização desses produtos, associadas a trabalhos de divulgação, interação, treinamento e assistência técnica ao produtor, podem compor um ambiente favorável à inovação dos sistemas de produção agrícola, contribuindo para a superação de questões colocadas pelo padrão agroquímico.

 

1SILVA, M. F. O.; COSTA, L. M. A indústria de defensivos agrícolas. BNDES Setorial 35, Brasília, p. 233-276, 2011. Disponível em: <https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/?locale=pt_BR>. Acesso em: dez. 2017.

 

2GASQUES, J. G. et al. Produtividade da agricultura brasileira e os efeitos de algumas políticas. Revista de Política Agrícola, Brasília, Ano 21, n. 83, p. 83-92, jul./ago./set. 2002. Disponível em: <https://seer.sede.
embrapa.br/index.php/RPA/article/viewFile/248/208>. Acesso em: fev. 2018.

 

3VEGRO, C. L. R. Defensivos agrícolas: câmbio, importações e clandestinidade impactam o segmento. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 11, n. 10, p. 1-5, out. 2016. Disponível em: <http://www.
iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-62-2016.pdf
>.  Acesso em: fev. 2018.

 

4SINDICATO NACIONAL DA INDUSTRIA DE PRODUTOS PARA DEFESA VEGETAL - SINDIVEG. Balanço 2015: setor de agroquímicos confirma queda de vendas. São Paulo: SINDIVEG. Disponível em: <http://sindiveg.org.br/
balanco-2015-setor-de-agroquimicos-confirma-queda-de-vendas/>.  Acesso em: fev. 2018.

 

5_____. Setor de defensivos agrícolas registra queda nas vendas em 2016. São Paulo: SINDIVEG. Disponível em: <http://sindiveg.org.br/wp-content/uploads/2017/06/Release-03abr2017-FINAL.pdf>. Acesso em: fev. 2018.

 

6Op. cit. nota 3.

 

7Op. cit. nota 1.

 

8MORANDI, M. A. B.; BETTIOL, W. Controle biológico de doenças de plantas no Brasil. In: BETTIOL, W.; MORANDI, M. A. B. (Eds.) Biocontrole de doenças de plantas: uso e perspectivas. Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente, 2009. p. 7-14.

 

9Op. cit. nota 8.

 

10Op. cit. nota 8.

 

 

Palavras-chave: agrotóxicos, pesquisa e desenvolvimento, defensivos, biodefensivos.

Data de Publicação: 09/03/2018

Autor(es): Renata Martins (rmsampaio@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor