Capital Natural e Sustentabilidade na Agricultura

As análises econômicas dos processos produtivos ocorrem, predominantemente, sob o paradigma do pensamento econômico neoclássico de que não há limites ao crescimento e, caso ocorram, a técnica poderá sempre superá-los e plenamente.

A economia neoclássica apoia a análise do processo produtivo no conceito de função de produção, a qual é definida como uma lista de combinações de fatores perfeitamente substituíveis entre si, através dos quais uma dada quantidade de produto pode ser obtida2.

Nesse modelo os sistemas naturais, quando considerados, são infinitos e não há a possibilidade de deixarem de proporcionar serviços aos processos produtivos. Também não há escassez de fatores que limite o crescimento, pelo fato de se considerar que sempre há substitutos perfeitos. Além disso, o sistema econômico é visto como grande o suficiente para que o meio ambiente seja incapaz de exercer qualquer limite a sua expansão.

Da perspectiva pautada na plena substituição dos fatores de produção, os processos produtivos não sofreriam qualquer restrição ambiental, posto que limitações da natureza são consideradas apenas restrições relativas e sempre superáveis pelo progresso tecnológico3. O escopo deste paper consiste na proposta de revisão do pensamento econômico neoclássico acerca da contribuição dos serviços prestados pela natureza no processo produtivo agrícola.

Com a expansão desenfreada do sistema econômico ocorrida desde a revolução industrial, pautada na intensificação da exploração de recursos naturais, surgem os efeitos deletérios sobre o meio ambiente, entre os quais poluição, sobre-  -exploração de recursos não renováveis, emissões de gases efeito estufa, comprometimento da capacidade de absorção de resíduos e aumento de riscos à capacidade dos ecossistemas em manter serviços essenciais à sobrevivência. 

Em face do cenário em que passam a ser identificados os efeitos negativos ao meio ambiente do crescimento econômico para os quais nem sempre as técnicas oferecem possibilidades de mitigação ou de plena substituição, no caso de esgotamento de um recurso natural, surge a necessidade de revisão de processos produtivos, bem como do enfoque analítico do pensamento econômico. 

Isso se deu a partir do reconhecimento de um sistema maior que o econômico, o meio ambiente, no qual os recursos naturais nem sempre podem ser substituídos plenamente, o que leva a se considerar a existência de limites ao crescimento constante.

Assim é que a partir de meados do século XX a análise econômica da vertente ecológica passou a considerar a finitude dos serviços prestados pela natureza e a questionar a capacidade de resiliência dos ecossistemas em manter as taxas de expansão dos processos produtivos e do próprio sistema econômico.

 Dessa perspectiva o progresso técnico pode atenuar a pressão que a humanidade exerce sobre a base de recursos naturais do planeta, mas não a elimina. A sobrecarga sobre os recursos da natureza se traduz em desequilíbrios ambientais4.

Esses princípios se fundamentam em arcabouço desenvolvido pelo precursor em estudos sobre processos produtivos e meio ambiente, o economista Nicholas Georgescu-Roegen5 que trata dos limites biofísicos do sistema econômico e de Herman Daly e Joshua Farley6 que contribuem para a análise das relações entre economia e ecologia.

Com base nessa premissa a interação entre processo produtivo e meio ambiente ocorre através do capital natural que é considerado um fator de produção não perfeitamente substituível, uma vez que os serviços prestados pela natureza não podem ser plenamente substituídos pelas técnicas.

O capital natural consiste no fluxo de serviços prestados pela natureza como a energia solar, a estrutura do solo, combustíveis fósseis, organismos vivos, água, regulação climática e serviços oferecidos pelas interações de todos os elementos dentro do sistema ecológico7.

Assim, o capital natural ou recursos naturais se diferenciam do capital construído pelo homem e por esse motivo são complementares e não substitutos perfeitos nos processos produtivos, como apregoado pelo mainstream neoclássico8.

Ao se tratar da atividade agrícola, desde o aperfeiçoamento das primeiras técnicas rudimentares, a humanidade desenvolveu um arsenal de práticas capaz de intensificar a produção. No último século, possivelmente mais do que em qualquer outra época, foi possível produzir alimentos, fibras e energia para um número cada vez maior de pessoas graças ao aperfeiçoamento de tecnologias9.

A agricultura, ainda assim, é o processo produtivo que mais relaciona o homem com a natureza. Isso porque as restrições impostas pelo meio ambiente, expressas pelas reações da natureza à intervenção antrópica, são mais importantes na agricultura do que em outras atividades econômicas10.

O próprio processo produtivo agrícola implica perda de biodiversidade, em função da homogeneidade da espécie em cultivos em grande escala. Nesse sentido, os processos produtivos simplificados têm apresentado sinais de saturação em função da alta demanda energética e por recursos naturais11.

Por sua vez, a produção agrícola é susceptível a desequilíbrios climáticos que podem advir do aquecimento global resultante dos efeitos dos gases de efeito estufa (GEE), além da possibilidade de deslocamento geográfico das áreas de cultivos, impostas pelas condições de clima12.

Ademais, a interferência dos desequilíbrios ambientais sobre a agricultura se estende às adversidades resultantes da devastação da cobertura florestal, especialmente de florestas tropicais que prestam serviços para a regulação climática.

A esses efeitos se somam os processos de erosão, assim como a necessidade crescente de fertilizantes e de defensivos em virtude do agravamento da proliferação de pragas, que por sua vez é favorecida pela homogeneidade de espécies13. Desse modo, a tecnologia, por si só se mostra insuficiente para impedir que a natureza imponha limites ao crescimento constante14.

O reconhecimento de um sistema maior que o processo produtivo, o meio ambiente, no qual os recursos naturais não têm substitutos perfeitos proporcionados pelo padrão tecnológico meramente produtivista, aliado a conscientização que a natureza pode impor limites ao crescimento tem intensificado a busca do que se convencionou denominar sustentabilidade na dimensão ambiental na agricultura.

As ações voltadas à sustentabilidade ambiental nos processos produtivos da agricultura contemplam o desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas conservacionistas de preservação dos serviços prestados pelo capital natural, bem como de políticas públicas sob a modalidade de programas de fomento a tais práticas.  Reflorestamento, recuperação de áreas degradadas, agricultura orgânica, rotação de culturas, plantio direto e cultivos agrossilvo-pastoris15 constituem alguns exemplos que apresentam tendência de expansão.

Com a finalidade de atender ao compromisso assumido pelo Brasil para redução de emissões de GEE, no âmbito da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), foi instaurado desde 2010 o Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC) cujas diretrizes consistem em linhas de crédito para a adoção de tecnologias sustentáveis. Entre as práticas enquadradas no PNMC tem-se a recuperação de áreas degradadas, plantio direto, integração lavoura, pecuária e floresta (ILPF), recomposição de áreas de preservação permanente e reservas legais e plantação de florestas16. Na safra 2017/18 o Programa ABC apresenta crescimento de 1.318,8% no número de contratos, de 1.361,9% no valor financiado e de 224,9% na área financiada, em comparação a temporada passada17.

Com a finalidade de fomentar práticas direcionadas a sustentabilidade na produção agropecuária, ainda no âmbito do governo federal, tem-se o Programa Rural Sustentável que contempla a implementação de ILPF, sistemas agroflorestais, plantio de florestas comerciais, recuperação de áreas degradadas e manejo sustentável de florestas nativas18.

No Estado de São Paulo a adoção de sistemas agroflorestais por parte de agricultores familiares é o objetivo do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável, conduzido pela Secretaria de Meio Ambiente. O projeto estimula a implementação de sistemas agroflorestais de base agroecológica de modo a propiciar a preservação de ecossistemas naturais. Em 2016 se encontravam em fase de implantação 19 projetos em área total de 500 hectares no Estado de São Paulo19

Os esforços para alcançar a sustentabilidade na dimensão ambiental decorrem do acirramento das preocupações que cercam o capital natural como fator de produção em função do reconhecimento da relevância dos serviços prestados pela natureza para a sustentação da produção agrícola de forma mais efetiva na atualidade. Nesse sentido, tais ações cada vez mais deverão nortear o enfoque analítico com base em premissas que superem as fronteiras neoclássicas e que considerem o meio ambiente como o sistema predominante sobre todas as atividades humanas.

 

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1Parte do projeto SGP 1878.

 

2BARBOSA, M. Z.; MARTINS, V. A. Agricultura e meio ambiente: o capital natural como fator de produção. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 7, n. 7, p. 1-5, jul. 2012. Disponível em: <http://www.
iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-38-2012.pdf>. Acesso em: mar. 2018.

 

3ROMEIRO, A. R. Desenvolvimento sustentável e mudança institucional: notas preliminares. Campinas: IE/Unicamp, n. 68, abr. 1999. 26 p. (Texto para Discussão).

 

4_____. Economia ou economia política da sustentabilidade. In: MAY, P.H.; LUSTOSA, M. C.; VINHA, V. Economia do meio ambiente: teoria e prática. Rio de Janeiro:  Elsevier, 2003.

 

5ROEGEN, N. G. Energy and economic myths. Elmsford: Pergamon Press, 1976. (Tradução Resumida de André G. Ghirardi, 1995).

 

6DALY, H.; FARLEY, J. Economia ecológica: princípios e aplicações. Lisboa: Instituto Piaget, 2004. 530 p. 

 

7Op. cit nota 6.

 

8Op. cit nota 4.

 

9MARTINS, P. R. et al. Nanotecnologias na indústria de alimentos. São Paulo: PUC-SP/EITT, 2008. 15 p. (Ciclo de Debates em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia, VI).

 

10BEZERRA, M. C. L.; VEIGA, J. E. (Coords.). Agricultura sustentável. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 190 p. 2000.

 

11FRANCA, T. J. F.; SILVA, J. R. O sistema integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) no Estado de São Paulo. Informações Econômicas, São Paulo, v. 47, n. 1, p. 5-21, jan./mar. 2017. Disponível em: <http://www.iea.
sp.gov.br/ftpiea/ie/2017/tec1-0117.pdf>. Acesso em: mar. 2018.

 

12FREITAS, S. M. et al. Contribuições do setor agropecuário para as emissões de gases de efeito estufa no Brasil, 2010-2014. Informações Econômicas, São Paulo, v. 46, n .6, p. 27-43, nov./dez. 2016. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/publicacoes/IE/2016/tec3-1216.pdf>. Acesso em: mar. 2018.

 

13FREITAS, E. R. Agricultura ecológica: conceituação. São Paulo: IEA, jun. 2000. Disponível em: <http://
www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=444>. Acesso em: jul. 2017.

 

14Op. cit. nota 10.

 

15Op. cit. nota 11.

 

16Op. cit. nota 12.

 

17MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO - MAPA. Comparativo dos financiamentos, via Programa ABC, ano-safra 2017/18 em relação ao ano-safra 2016/17 (meses de julho a agosto). Brasília: MAPA. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sustentabilidade/plano-abc/plano-abc-em-numeros/arquivos/tabela-1.pdf>. Acesso em: mar. 2018.

 

18_____. Rural sustentável. Brasília: MAPA, jul. 2017. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sustentabilidade/rural-sustentavel>. Acesso em: mar. 2018.

 

19RAMOS, S. F.; MAULE FILHO, T. L. Sistemas agroflorestais e políticas públicas: agricultura familiar e preservação ambiental em São Paulo. Informações Econômicas, São Paulo, v. 46, n. 3, p. 27-41, maio/jun. 2016. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/publicacoes/ie/2016/tec3-0616.pdf>. Acesso em: mar. 2018.

  

Palavras-chave: meio ambiente, sustentabilidade, capital natural.

Data de Publicação: 03/04/2018

Autor(es): Marisa Zeferino (marisa.zeferino@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor