Leite: novas idéias para o velho problema do marketing

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            A produção de leite no Brasil tem sido crescente desde a década de 1980, com maior aceleração a partir de 1996. Em 2005, a produção estimada é de 24,76 bilhões de litros, com produtividade de 1.189 litros/vaca/ano, segundo a Embrapa Gado de Leite. Isto representa um crescimento, respectivamente, de 5,5% e 1,4%, em relação a 2004 cuja produção foi de 23,47 bilhões de litros e a produtividade, de 1.172 litros/vaca/ano1.
            A balança comercial de leite e derivados fechou 2005 com superávit de US$ 8,90 milhões (aumento de 7,3% em relação a 2004). As exportações alcançaram o valor de US$ 130,1 milhões e as importações, de US$ 121,2 milhões. Os três primeiros meses de 2006 mostram que a balança comercial do setor cresceu 32% em relação ao mesmo período do ano anterior2. Estes resultados representam uma vitória para um setor que até alguns anos atrás sofria com as importações do produto.
            Porém, o mercado interno não está tão bem. O consumo de leite, que estava estagnado há cerca de 10 anos no Brasil, em torno de 128 litros/habitante/ano, em 2005 é estimado em 130 l/hab/ano. Este volume ainda é baixo em relação ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 175 l/hab/ano3. Isto reflete uma questão de renda e hábito.
            O consumo de refrigerantes e cerveja no Brasil era superior ao de leite fluido em 1998, com respectivamente 11,03 bilhões litros, 8,2 bilhões de litros e 5,8 bilhões de litros, conforme trabalho da Láctea Brasil4. Os sucos prontos, nos últimos anos, conseguiram expandir seu consumo sem que a população tivesse mudança no perfil de renda. O leite informal continua sendo comercializado, o que gera prejuízos ao segmento e aos cofres públicos.
            O bom desempenho das vendas externas, em 2004, levou ao aumento da produção acima do crescimento das exportações. Isto provocou excesso de oferta no mercado interno, que não foi absorvida devido ao com consumo estagnado.
            Frente a essas questões, o segmento coloca mais uma vez como estratégia para o mercado interno a necessidade de investir em marketing institucional do leite. Seria uma forma de aumentar o consumo por parte da população5.
            Essa discussão é antiga e passa sempre por campanhas na mídia, só que agora com um diferencial: a idéia é não falar apenas para se tomar leite, mas informar que o leite agregado de outros produtos faz bem à saúde. Essa é uma forma correta, e necessária, de trabalhar, mas apenas o uso desta ferramenta poderá não ser suficiente para influenciar e levar a população a consumir mais leite.
            O conceito de marketing é mais amplo. É um processo social por meio do qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e livre negociação de produtos e serviços de valor com outros6. É entendido, ainda, como o complexo de estudos, técnicas e atividades com o objetivo de promover, divulgar e sustentar um produto ou serviço no mercado de consumo e/ou assegurar o sucesso comercial de um empreendimento7.
            As mudanças do comércio internacional, com a introdução de barreiras sanitárias, a maior interação dos agentes, a maior dinamização das informações e as novas exigências dos consumidores levaram a mudanças estruturais no mercado, que geraram a necessidade cada vez maior de a agricultura fazer uso de técnicas de marketing para agregar valor ao produto. Atualmente, há inúmeros casos de produtos fortalecidos com uma marca, uma embalagem ou rótulo diferenciado.
            Essas novas necessidades e exigências levam a um novo panorama na comercialização dos produtos agrícolas, que tem o consumidor como determinante do mercado; ou seja, é o consumidor que define o que quer comprar baseado nas informações que tem, nas suas necessidades e princípios. Suas preocupações passam por preço, aparência, praticidade e qualidade, como também pela questão da saúde e pelo compromisso com questões politicamente corretas, como preservação do meio ambiente e ausência do uso de mão-de-obra infantil ou escrava.
            Dentro desta perspectiva, deve-se considerar o ambiente competitivo em que o setor se insere. E isto significa que a atuação no mercado exige o conhecimento deste e a criação de uma vantagem que seja valorizada pelo mercado e possibilite maior lucro.
            As técnicas que dizem respeito ao marketing referem-se a estratégias e passam por inúmeras variáveis, como marca, embalagem, rótulo, agregação de valor, promoção do produto e negociação. Esses são aspectos importantes para se participar de um mercado mais estruturado com novos padrões de competitividade.
            No caso do leite, a falta de conhecimento do produto por parte do consumidor, bem como sua visão do que seja leite, é um dos entraves ao crescimento do consumo. As diferenças entre os produtos oferecidos no mercado não são conhecidas. O consumidor não toma determinado leite porque é melhor ou seu sabor é especial, mas sim porque é mais barato e/ou mais prático. Há um baixo nível de exigência em relação ao produto.
            Ao mesmo tempo, o leite é visto como um produto saudável, sinônimo de qualidade; ou seja, o consumidor toma o produto porque faz bem à saúde.
            Além disso, o leite adquiriu ao longo do tempo a característica de produto social, fortalecida pelos programas de governo de distribuição de leite, incentivados pelos produtores e tidos por eles como imprescindíveis como política pública para o setor, em contraposição à visão do produto como um negócio rentável. Isto dificulta o posicionamento do setor e cria, ao mesmo tempo, um empecilho à mudança de visão do consumidor sobre o tema qualidade do leite.
            Um outro ponto relevante é o fato de um dos principais problemas enfrentados pelo produtor rural ser a comercialização do produto, principalmente para os pequenos e médios produtores. A falta de conhecimento sobre os canais disponíveis, preços praticados, condições de mercado, consumo, tendências, conjuntura, qualidade, classificação, padronização e embalagem pode impossibilitar uma venda melhor do produto e a obtenção de maiores lucros8.
            No caso de leite, isto é uma realidade. A maior parte dos produtores está distante do mercado e participa dele através da venda de seu produto para a cooperativa ou para o laticínio. Há ainda um agravante. Com certa constância, o produtor opta por vender para um laticínio, ao invés de vender para sua cooperativa. Mostra, assim, sua preocupação imediata com o preço, esquecendo que com isso enfraquece a cooperativa, a qual está associado, e sua marca comercial; ou seja, ajuda a perpetuar uma situação desfavorável para si e para o setor.
            Os aspectos levantados até aqui permitem sugerir outras estratégias de marketing que não apenas campanhas publicitárias que exigem somas elevadas de dinheiro que nem sempre o setor está propenso a gastar.
            As estratégias usadas pelas grandes empresas são várias e a mídia é apenas uma delas. Hoje, elas passam pelo ponto de venda, considerado fundamental. São usados desde o contato direto, nos supermercados, com informações e degustações até equipamentos que funcionem como chamariz para o consumidor. No caso do leite, temos de diferenciar as estratégias em função dos distintos produtos oferecidos no mercado: leite pasteurizado, leite longa vida, queijos, iogurtes, etc.
            O leite pasteurizado é comercializado, em sua grande maioria, nas padarias e normalmente está associado à compra do pão. Recentemente, as padarias vêm diversificando sua estrutura de funcionamento. Mas várias delas colocam o leite longe do balcão de pães, o que impossibilita o consumidor de ver o produto exposto. Nesse caso, há a necessidade de integração com as padarias para que essas exponham o produto na forma tradicional ou perto do caixa, em geladeiras verticais com porta de vidro. Nestas geladeiras, podem estar também iogurtes e petits suisses. No caso dos queijos, muitas delas já os fornecem fatiados em balcões resfriados, o que facilita o acesso.
            Outra estratégia, junto aos supermercados, seria a de colocar no ponto de venda dos refrigerados um promotor de vendas que informe sobre as qualidades do leite e derivados, além do sabor e frescor. Isto pode ser feito com degustação do produto e a distribuição de folhetos que contenham as características saudáveis do produto e receitas que incluam preferencialmente o produto.
            No caso do leite longa vida, um produto já estabelecido no mercado, é mais oportuno trabalhar com produtos de consumo individual vendidos em máquinas de auto-atendimento. Tais máquinas seriam colocadas em pontos como padarias, supermercados, metrô, escolas, lanchonetes, academias, hospitais, aeroportos e rodoviárias. Também podem ser usadas para vender iogurtes, petits suisses e queijos, uma vez que são refrigeradas. Neste caso, seria necessário o desenvolvimento de embalagens individuais que fossem próprias para este fim.
            Várias destas sugestões já foram usadas em outros países com sucesso e, no caso do Brasil, a utilização de máquinas tem sido regular para refrigerantes, grande rival no setor de bebidas, e salgadinhos e chocolates. Estas estratégias, aliadas a uma campanha que mostre as qualidades do leite, devem possibilitar um aumento de consumo.
            Deve se ter em conta, porém, que o público a ser atingido por estas campanhas será o das classes média e alta, que são as que consomem refrigerantes, têm maior acesso e necessidade de informações sobre os produtos e dispõem de renda para comprar. A classe de renda inferior tem o poder de compra e elasticidade de consumo limitados.
            A necessidade de se investir em marketing do leite é uma ação que se faz fundamental dentro do contexto do mercado interno de leite. Os investimentos sugeridos neste artigo são de maior competência das indústrias e cooperativas, mas devem contar com o envolvimento de toda cadeia para que se concretizem. Vale lembrar que a implantação da Instrução Normativa 519 terá bom efeito se o consumidor estiver esclarecido sobre os atributos e as diferenças de cada produto encontrado no mercado.10

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1 Produção,  Industrialização e Comercialização (Produção), disponível em: http://www.cnpgl.embrapa.br/producao/producao.php . Acesso em 25 abr. 2006.
2 Gonçalves, José Sidnei et al. Balança Comercial Dos Agronegócios Paulista E Brasileiro No Primeiro Trimestre De 2006, disponível em http://www.iea.sp.gov.br/out/comex/bal-com.php . Acesso em 26 abr. 2006.
3 'Governo incentiva produção e consumo de leite', disponível em www.Brasil.gov.br/emquestao/eq50.htm . Acesso em 06 mai. 2005.
4 SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios. Câmara Setorial de Leite e Derivados. Marketing Institucional – Primeira fase: programação e educação para aumentar o consumo de leite de derivados pelas crianças dentro e fora das escolas, Láctea Brasil, São Paulo, 2001, 5 p..
5 Marchiori, Eduardo, Crise ao inverso. Revista Indústria de Laticínios, ano 10, n. 61, jan./fev. 2006, p.20-24.
6 KOLTER, P., Administração de Marketing - São Paulo: Prentice Hall, 10ª edição, 2000.
7 (www.ajudabancaria.com/termos_mercado_m.html). Acesso em 23 mar. 2006
8 MANDETTA, Rubens et al. Comercialização Hortícola: análise de alguns setores do mercado varejista de São Paulo. Informações Econômicas, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 7-23, out. 1998.
9 A Instrução Normativa 51, de 2002, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tem como objetivo garantir a melhora da qualidade do leite através da fixação de requisitos mínimos para a produção, identidade e qualidade do produto e da regulamentação da coleta e do transporte do leite.
10 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-45/2006.

Data de Publicação: 11/05/2006

Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor