Plano de safra 2006/07 e a realidade do setor rural: breve análise


            O Governo Federal anunciou, em 25 de maio de 2006, o Plano Agrícola e Pecuário para a próxima safra, acompanhado de um conjunto de medidas enquadradas como ações emergenciais e estruturais. A seguir será apresentada uma análise considerando-se os principais eixos do pacote, quais sejam: financiamento da safra 2006/07, renegociação de dívidas do setor, políticas de apoio à comercialização e seguro rural.

            Do ponto de vista dos recursos, cuja demanda para o ano agrícola 2005/06 era estimada em cerca de R$106 bilhões, o Governo programou ofertar R$ 60 bilhões, sendo que R$ 10 bilhões deverão ser destinados à agricultura familiar, isto é, previsão de crescimento de 13 % e 11%, respectivamente, em relação ao anunciado no ano anterior.
            Dos R$ 50 bilhões para a agricultura comercial, R$ 41,4 bilhões destinam-se as operações de custeio e comercialização e R$ 8,6 bilhões para investimento. A taxa de juros incidente sobre a maior parte destes recursos, aproximadamente 67%, gira em torno de 8,75% ao ano, portanto subsidiadas quando comparadas à taxa SELIC. No entanto, há que se ressaltar que pelas estimativas de demanda de crédito para o setor, esse montante corresponderia apenas a aproximadamente 35%.
            No caso das linhas de custeio e comercialização, o Plano prevê a ampliação dos recursos a taxas subsidiadas na tentativa de melhorar o custo médio final dos financiamentos que dependem também de financiadores privados como os fornecedores de insumos, agroindústrias e exportadores além das próprias instituições financeiras. Assim, 73% dos recursos para essas finalidades deverão ser oferecidos a taxa de juros de 8,75% ao ano, contra 63% na safra anterior.
            Os limites de recursos podem ser ampliados em 15%, até o máximo de 30%, se o produtor praticar ou apresentar plano de recuperação de matas ciliares ou reserva legal, utilizar sistemas de rastreabilidade na produção pecuária ou utilizar mecanismos de proteção de preços, como hedge ou seguro rural.
            Os recursos para investimentos somam 8,6 bilhões, contra R$11,15 previstos na safra anterior. Essa redução se justifica no ajuste da oferta à demanda, não só em função da crise como também da necessidade de ajustar a política, principalmente na compra de máquinas e equipamentos. No caso do Moderfrota essa orientação pode ser vista também na possibilidade de compra de máquinas usadas. Outro ajuste foi feito ainda nas linhas que tinham taxas mais elevadas como repasse da redução na taxa básica de juros.
            Além disso, houve um aumento dos limites de financiamento para os contratos de custeio e comercialização com recursos controlados, em especial no caso da soja, algodão, cana-de-açúcar e avicultura e suinocultura não integradas.
            O exame das taxas de juros do Plano de Safra 2006/2007 fica mais elucidativo se comparadas com as do Plano de Safra anterior. Como pano de fundo deve-se ressaltar que em maio de 2005 a taxa SELIC era 19,75% a.a., e a deste ano 15,75% a.a.. A projeção da SELIC era 16,24% a.a. em 2005 e hoje é de 13,65% a.a..
            Com base nesses indicadores pode-se calcular as diferenças das taxas de juros que são, em última análise, os subsídios dados ao crédito agrícola (Tabela 1). Constata-se que os subsídios diminuíram, em pontos percentuais, em todas as modalidades de crédito. Tomando-se como referência a taxa de juros do crédito de custeio, que permaneceu em 8,75% a.ao, nota-se que, em relação à SELIC, no Plano 2005/2006 o subsídio era de 9,19 pontos percentuais, e para a safra 2006/2007 esta diferença caiu para 6,05 pontos percentuais. O mesmo ocorreu em todas as outras modalidades. Portanto, apesar da propalada queda das taxas de juros, em termos reais houve um aumento no custo do crédito.

Tabela 1

            Também convém ressaltar que a Taxa de Juros de Longo Prazo, TJLP, que serve de base para estabelecer os juros agrícolas, diminuiu de 9,75% a.a. em 2005 para 8,15% a.a. em 2006.
            No que se refere ao endividamento do setor, tratamentos diferenciados foram conferidos às dívidas de curto e longo prazo. Para os créditos de custeio da safra 2005/06, os financiamentos serão prorrogados automaticamente pelo prazo de quatro anos, com a primeira parcela de pagamento vencendo 12 meses após a repactuação e o montante definido conforme segue:

  • soja: 50% do total financiado nas regiões Sul e Sudeste e 80% nas demais regiões do país;
  • arroz: prorrogação de 40% do débito em todo território nacional;
  • algodão: 30% da dívida, válido para o território nacional;
  • milho: prorrogação de 20% em todo território nacional.

            O montante dessa dívida é estimado em R$ 26 bilhões, dos quais o Governo espera que sejam rolados cerca de R$ 10 bilhões, isto é, deverá cobrir 38,5% desse total. Contudo, o endividamento de custeio da produção não se limita aos financiamentos concedidos com juros controlados (taxa de 8,75% a.a.), mas inclui também aqueles tomados a juros livres de mercado e junto às empresas de defensivos e fertilizantes. Nesses casos o Governo pretende atuar através do Programa FAT Giro Rural, com o aumento de R$ 2 bilhões no montante de recursos disponíveis e com a criação de nova modalidade destinada à concessão de empréstimos diretamente aos fornecedores de insumos/serviços e cooperativas, para que estes possam re-financiar os débitos pendentes da safra 2005/06 e financiar a de 2006/07. Ainda que a ampliação proposta tenha como resultado dobrar o montante atualmente disponível, o total previsto de R$ 4 bilhões representa apenas cerca de 25% do volume da dívida nesses mercados de crédito de custeio (estimado em cerca de R$ 16,2 bilhões).
            Outra ponta da crise da dívida do setor rural diz respeito à inadimplência nos pagamentos referentes aos Programas de Securitização, de Saneamento de Ativos (Pesa) e de Recuperação de Cooperativas (Recoop), cujo montante em atraso é estimado em R$ 7,7 bilhões. Nesse caso, o Governo optou por re-financiar apenas as parcelas vencidas em 2005 e vencidas e vincendas em 2006, para os produtores que estavam adimplentes até 31 de dezembro de 2004. O refinanciamento terá prazo de até cinco anos, incluídos dois anos de carência para o pagamento da primeira parcela e estima que para isso serão necessários cerca de R$ 600 milhões, isto é, re-enquadramento de apenas 7,8% do total de pagamentos atrasados. Além disso, o governo propôs a extensão, por até 180 dias, do prazo de cobrança administrativa da dívida vencida e ainda não inscrita no Cadin dos programas Pesa e Securitização, o que dará condições mais adequadas aos produtores para se beneficiarem da linha de refinanciamento das parcelas de 2005 e 2006.
            A importância do refinanciamento das dívidas, evidenciada pelo tratamento conferido ao tema pelo Governo e por ter sido uma das principais exigências dos produtores rurais em recentes manifestações, mostra o grande equívoco que persiste há décadas na condução da política agrícola no país de viabilizar a produção (custeio da safra) em detrimento da condução de uma política eficiente de apoio à renda. Entende-se que uma política voltada para a sustentação dos preços agrícolas e seguro da produção, permitiria a utilização mais racional dos recursos disponibilizados para o crédito rural, isto é, dotar recursos para os dispêndios que se façam necessários para assegurar a competitividade da produção agrícola brasileira.
            Outra medida esperada era o reajuste dos preços mínimos de garantia dos produtos agrícolas, que ocorreu apenas para alguns produtos regionais, como juta, malva, sisal, alho e borracha natural. Os preços mínimos da safra 2005/06 dos demais produtos foram mantidos.
            Como a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) ainda exerce papel relevante nas decisões de plantio do produtor, principalmente em cenários de preços baixos, torna-se importante o conhecimento sobre os níveis de preços mínimos vigentes para os principais produtos da agricultura brasileira. Admitindo-se os custos de produção estimados para a safra 2006/07, da CONAB, com base em levantamento de março de 2006, a comparação dos preços mínimos para os produtos da Região Centro-Sul relativamente aos custos operacionais estimados, permite inferir que a defasagem é de cerca de 5%, para o milho em Rio Verde, até 49% para a soja em Sapezal, conforme pode ser observado a seguir:

1 – Algodão: preço mínimo de R$ 13,40/15kg em 2005/06 e custo de R$ 16,18 em Rondonópolis, MT;  = 17,2%

2 – Amendoim: preço mínimo de R$ 16,10/25kg e custo de R$ 20,45 em Guariba, SP;  = 21,3%

3 – Arroz tipo 1: preço mínimo de R$ 20,70/60kg e custo de R$ 22,28 em Sorriso, MT;  = 7,1%; Arroz tipo 2: preço mínimo de R$ 22,00/50kg e custo de R$ 23,73 em Cachoeira do Sul, RS;  = 7,3%

4 – Feijão: preço mínimo de R$ 47,00/60kg e custo de R$ 55,87 em Campo Mourão, PR;  = 15,9%

5 – Mandioca: preço mínimo de R$ 54,00/t e custo de R$ 99,88 em Paranavaí, PR;  = 46%

6 – Milho: preço mínimo de R$ 14,00/60kg e custo de R$ 15,11 em Londrina, PR e R$ 14,77 em Rio Verde, GO;  = 7,4% e  = 5,2%, respectivamente

7 – Soja: preço mínimo de R$ 14,00 e custo de R$ 27,30 em Sapezal, MT e R$ 22,83 em Londrina, PR.  = 48,7% e  = 38,7%, respectivamente.

            Além disso, desde de meados da década de 90 que as medidas de política agrícola buscam apoiar e normatizar a integração do agronegócio com o setor privado, tornando-o mais independente do setor público. Assim, houve muitas iniciativas ao longo deste período para que do ponto de vista da comercialização, do seguro de preços e do financiamento aumentasse a participação do setor privado sob 'regulação' do setor público.
            Nesse sentido observa-se o apoio à comercialização através do Prêmio de Risco de Opção Privada (PROP), dos recursos de financiamento a taxas subsidiadas destinados ao pagamento de margens de garantia e ajustes diários bem como do prêmio de contratos de opção em operações em bolsas de mercadorias e futuros agropecuários. Os novos títulos agrícolas, lançados em 2004, também podem ser incluídos como instrumentos que possibilitam o aporte de recursos do mercado de capitais para o agronegócio, e que só muito recentemente começam a operar e podem vir a fazer diferença na próxima safra. As operações registradas em 516 títulos somaram, segundo informação do PAP 2006-2007, R$654 milhões. Já no caso das Cédulas de Produto Rural, de acordo com dados do Banco do Brasil, na safra 2004/2005 foram emitidas CPR no valor de R$5,6 bilhões.
            Quanto ao seguro agrícola, um dos entraves ao seu desenvolvimento é o alto custo ao produtor, decorrente do risco de perdas nesse tipo de atividade ser relativamente elevado, difícil de ser calculado com precisão e também devido aos custos operacionais das seguradoras, que envolvem: resseguro, uma primeira fiscalização in loco para verificar se as lavouras seguradas foram de fato plantadas e bem conduzidas e, em caso de sinistro, segunda visita para avaliação das perdas.
            Uma forma de reduzir o custo do seguro para o produtor rural tem sido a subvenção governamental, pelos governos federal e estaduais, aos prêmios. O plano de safra 2006/07 prevê aumento de 420% no montante de recursos públicos federais destinados a esse fim, além de aumento do percentual de subvenção ao prêmio das lavouras e da ampliação do rol de culturas que podem ser seguradas, que passa de oito culturas tradicionais para todas as atividades agropecuárias para as quais as seguradoras tenham planos de seguros aprovados pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).
            A verba destinada pelo Plano à subvenção dos prêmios na próxima safra é de R$ 42,6 milhões. O percentual de subvenção previsto é de 60% dos prêmios das lavouras de feijão, milho safrinha e trigo; de 50% para algodão, arroz, aveia, canola, centeio, cevada, milho, soja, sorgo e triticale; de 40% para maçã e uva; de 30% para abacaxi, alface, alho, ameixa, batata, beringela, amendoim, beterraba, café, cana de açúcar, goiaba, kiwi, citros, nectarina, pêssego, tomate e algumas outras frutas e hortaliças; de 30% para a pecuária, atividades florestais e aquícolas.
            Há um limite estabelecido de R$32 mil no montante de subsídios por produtor e cultura e também para os seguros pecuários e florestais, porém o produtor diversificado poderá usar esse limite para segurar cada uma de suas atividades, cumulativamente, desde que haja seguradoras privadas que ofereçam seguro especificamente aprovado pela SUSEP.
            Outro entrave ao desenvolvimento do seguro rural tem sido o pequeno interesse das seguradoras privadas em atuar nesta área, em parte devido ao monopólio legal do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) no resseguro, que assume dimensão mais grave no caso do seguro agrícola, devido à possibilidade de perdas catastróficas. A abertura do mercado ressegurador, que está sendo discutida no Congresso Nacional e é considerada prioritária pelo Governo, dificilmente ocorrerá ainda este ano. Para minimizar este problema, o Plano de Safra prevê um novo sistema de garantia do seguro rural contra eventos catastróficos, através de um fundo dotado com recursos públicos.
            Assim, em muitas regiões e culturas o produtor não encontrará seguradoras interessadas em segurar suas atividades, problema que poderá se reduzir com o desenvolvimento do mercado segurador rural, que tem sofrido inclusive a perda de seguradoras tradicionais como era a COSESP em São Paulo, que se retirou desse segmento de mercado. Espera-se que esse desenvolvimento se acelere com os subsídios aos prêmios, a implantação do fundo de catástrofes e com a abertura do mercado de resseguro. Note-se, todavia, que a questão das perdas agropecuárias decorrentes de eventos climáticos está bem resolvida na agricultura familiar, através da utilização do Pro-Agro saneado vinculado aos financiamentos do PRONAF.
            Cabe destacar que se faz necessário ter atenção aos prazos para regulamentação das medidas anunciadas, sob pena de pontos importantes destacados acima ficarem apenas na intenção, a exemplo do ocorrido em anos anteriores.
            Finalmente, considera-se que esses tipos de medidas, cujos efeitos são de curto prazo, devem ser acompanhados de ações de natureza estrutural, tais como, investimentos em logística (transportes ferroviário e rodoviário) e em pesquisa e desenvolvimento agrícola, criação de um 'Fundo de Catástrofes' de ação anti-cíclica nas crises do setor (criação de poupança em períodos de 'vacas gordas' para atendimento de períodos de 'vacas magras') e apoio institucional crível para atração de empresas seguradoras privadas no segmento de seguro rural. 1

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1 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-55/2006.

Data de Publicação: 01/06/2006

Autor(es): Alfredo Tsunechiro (tsunechiro@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
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