O futuro do controle biológico

            Encontra-se para ser votado no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2319/03 de Incentivo ao Controle Biológico, que institui incentivo fiscal para o controle biológico de pragas agrícolas. A proposta é que a empresa produtora de agrotóxicos deverá aplicar 0,5% de sua receita bruta anual no desenvolvimento de agentes biológicos e que o valor possa ser deduzido do Imposto de Renda devido até o limite de 8%.
            Essa aplicação em P&D poderá ser realizada em parceria com outras empresas que operem no setor de produtos biológicos para o controle de pragas agrícolas e vetores; ou com universidades e institutos de pesquisas, desde que estejam sob a coordenação de pesquisadores brasileiros que participem de grupos de pesquisas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Dessa forma, o desenvolvimento de agrotóxicos financiaria o desenvolvimento do controle biológico.
            Entretanto, esse mesmo Projeto de Lei prevê a obrigatoriedade, tanto para produtores rurais quanto para o Estado, do uso de 10% de inseticidas biológicos, do total de agrotóxicos do controle de plantas daninhas, insetos e ácaros-praga de importância agrícola, florestal, veterinária e médica humana. Obviamente, essa determinação nasce morta, considerando a incapacidade de fiscalização, difusão e de incentivo econômico à substituição do defensivo.
            Se tal projeto entrar em vigor, aumentar-se-ão expressivamente os investimentos privados no desenvolvimento de agentes biológicos para o controle de pragas, agentes patogênicos e plantas invasoras. Entretanto, dada a especificidade e a complexidade desses produtos biológicos, sua difusão requer não apenas a assistência técnica para elevar o patamar tecnológico na gestão do uso desses produtos, o que pode ser oferecido pelas próprias biofábricas e distribuidoras, como também sua certificação de qualidade dos processos laboratoriais de reprodução desse insumo.
            O aumento expressivo do volume de investimento em pesquisa em controle biológico concorre com as diversas rotas tecnológicas portadoras de futuro para o controle da cigarrinha da raiz na cana. A alocação desses recursos deve ser avaliada já no estágio de difusão acelerada em que se encontra o controle biológico da cigarrinha por meio do fungo M. anisopliae, pois é nesse intervalo que as tecnologias emergentes começam a dar sinal de viabilização técnica e econômica.

O caso da cigarrinha da raiz na cana

            A economia canavieira oferece exemplos sobre a viabilidade de implementação de programas de controle biológico considerados entre os maiores programas do mundo em extensão de área e valor econômico. São mostras de que o esforço de pesquisa e desenvolvimento na busca de sustentabilidade trouxe resultados de grandes proporções nesse setor. É importante se discutir o futuro desse programas, uma vez que, atualmente, a dinâmica de inovação no manejo de pragas passa a ter várias rotas tecnológicas que podem causar alterações profundas em cadeias de suprimentos de insumos biológicos com implicações no planejamento de pesquisa e desenvolvimento na agricultura mundial.
            O controle biológico na cana, no Brasil, tem dois programas bem-sucedidos: são os casos dos 20 anos do controle biológico da broca da cana na Região Sudeste e da cigarrinha da folha na Região Nordeste. Atualmente, discute-se o programa de controle biológico da cigarrinha da raiz, praga que causa danos aos canaviais de colheita de cana sem queimar, cujo aumento de área é expressivo. Esse programa é uma adaptação do controle biológico da cigarrinha da folha, que tem como agente biológico o fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae.
            O controle de pragas na agricultura possibilitou a utilização de plantas de alta produtividade com grande resposta aos fertilizantes em sistemas de produção livre de competição com outras plantas. O melhoramento genético em busca da maior resposta aos fertilizantes trouxe maior produtividade física da agricultura. Porém tornou frágil o sistema de produção, que depende da constante intervenção humana para torná-lo viável, contra os desequilíbrios biológicos em que emergem as pragas.
            Esse modelo de agricultura movimenta um montante expressivo de defensivos químicos para controle de pragas. A evolução das gerações de inseticidas possibilitou maior especialização dos produtos para combater pragas específicas com menor efeito residual nos alimentos e no meio ambiente. Entretanto, ao longo dessa evolução, tais produtos deixaram um rastro de impactos ambientais, acidentes de trabalho e doenças ocupacionais que marcaram sua trajetória com uma imagem de inimigos da saúde pública e do meio ambiente.
            A dinâmica da inovação tecnológica no manejo integrado de pragas não é a mesma do tempo em que os pacotes tecnológicos eram desenvolvidos para sua difusão e adaptação global. A atual dinâmica é a utilização de conhecimentos básicos e de ponta aplicáveis no desenvolvimento de soluções locais. Se essas inovações locais não visarem à busca do desenvolvimento sustentado, seus impactos serão ressaltados em prazos mais curtos pela difusão atualmente mais rápida de tecnologias e sua substituição será também proporcionalmente mais rápida diante da velocidade de inovações e das pressões das barreiras de comércio internacional. Portanto, alternativas à sua utilização são gradualmente inseridas nos sistemas de produção agrícolas. Algumas delas, portadoras de futuro, são elencadas a seguir.
            A biotecnologia traz plantas com resistência a insetos que eliminam a necessidade de aplicação de defensivos para suas principais pragas. Essa alternativa também sofre resistências da sociedade, em função do desconhecimento do grau de riscos ao meio ambiente e à saúde humana dessas inovações. A descoberta do gene Sugarina e seu promotor de resistência no genoma da própria cana podem viabilizar uma planta resistente tanto à broca da cana quanto à cigarrinha das raízes, pois promovem a produção de uma toxina quando são atacadas por insetos.
            A nanotecnologia utilizada no controle químico pode trazer novas formas de ação de princípios ativos, tornando-os mais específicos e com ação muito localizada, o que reduz danos ao meio ambiente.
            O controle comportamental dos insetos pode ser aplicado por meio de semioquímicos, que podem ser ferormônios que agem no comportamento reprodutivo e outras substâncias que influenciam no comportamento de insetos.
            No entanto, as rotas que já têm sucesso comercial, como é o caso do controle biológico, poderão ser aprofundadas com a introdução de mecanismos mais eficientes e de menor custo. Por exemplo, o desenvolvimento de agentes biológicos como os nematóides Steinernema sp e Heterorhabditis sp que podem ter uma ação mais efetiva por estarem mais próximos do hospedeiro. É possível criar até mesmo o desenvolvimento de conídios de fungos entomopatogênicos M. anisopliae, Batkoa apiculata, Entomophthora sp. e Zoophthora sp. associados a micélios de fungos atrativos e fago-estimulantes ao inseto-alvo, o que tornaria mais fácil sua contaminação.
            Outras alternativas mais simples são cogitadas, como o controle físico derivado do recolhimento da palha (para utilização em geração de energia), ou da quebra da tensão superficial da espuma da ninfa.
            O tradicional melhoramento genético em busca da resistência varietal não é descartado como possibilidade. No entanto, saltos qualitativos expressivos em termos de resistência a insetos são mais difíceis de serem alcançados.
            Todas essas inovações poderão ser impulsionadas por impactos políticos nos investimentos na pesquisa, em desenvolvimento e na incorporação dessas tecnologias.

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1 Artigo registrado no CCTC sob número HP-115/2006.

Data de Publicação: 07/12/2006

Autor(es): Thomaz Fronzaglia (thomazfronzaglia@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor