Mercado de Álcool: desajustes e excesso de expectativas

            A idéia da grande demanda mundial de álcool parece ter inundado as mentes de investidores, empreendedores e seus consultores. A adição de álcool na gasolina americana poderá chegar a 5% neste ano, o que representa 28 bilhões de litros.

            Infelizmente, as perspectivas de preços desta safra são menos animadoras que esperavam os mais eufóricos do mercado. Isso decorre de uma expectativa irrealista em relação à demanda de açúcar e álcool, confusão em relação à sinalização do mercado. A questão central que esta safra nos remete é se existem sistemas de mercado capazes de captar os diversos movimentos de um setor em explosão.

            O questionamento no artigo de Veiga Filho (2006), se houve a superação da crise de superoferta ocorrida em 1999 no setor sucroalcooleiro, pareceu ser um prenúncio do que viria a ocorrer nesta safra.

            Os preços do açúcar e do álcool declinaram drasticamente em relação à safra anterior (Figura 1).

            O grande incremento de área tanto no Brasil como na Índia e o bom desempenho da safra garantiram uma superoferta que poucos imaginavam ocorrer numa indústria que se vangloriava de sua nova era dourada. Os ajustes necessários para criar liquidez alcoólica no mercado não parecem ocorrer, pois a estrutura do mercado dificulta a transmissão de sinais de oferta para o consumidor, havendo um atraso do preço entre a usina e o consumidor. Outros fatores também interferem nesse ajuste de oferta e demanda, que são: desconfiança na eficiência do motor com uso do álcool, síndrome do desabastecimento, desconhecimento dos benefícios ambientais do uso do álcool, entre outros. É necessário que os consumidores, além dos benefícios econômicos, estejam cientes também dos benefícios ambientais que podem ser proporcionados com o uso de combustível renovável em seus automóveis.
 

Figura 1 - Preço do Açúcar e do Álcool Hidratado na Usina, 2000-2007. 

Fonte: Elaborada a partir dos dados do CEPEA.

            Os preços do álcool na bomba não acompanharam na mesma velocidade a queda dos preços na usina, ocasionando o excesso de oferta do combustível na origem. Verifica-se que de abril, início da safra, até julho de 2007, os preços do álcool hidratado na usina caíram cerca de 42,6%, nas distribuidoras reduziram em média 31% e nos postos esse percentual foi de somente 12,7%. As variações de preços entre usina, distribuidoras e postos podem ser observadas na figura 2.

            Além dos desajustes microeconômicos, é preciso lembrar que o novo ciclo está num ambiente de negócios muito diferente da era do PROÁLCOOL. Estamos num mercado desregulamentado, com aumento da concorrência e da oferta, câmbio valorizado e taxas de juros ainda altas. Nesse ambiente, é preciso olhar com cuidado nossos concorrentes mesmo que tenham custos mais altos como é o caso da Índia com o açúcar e dos EUA com o etanol do milho. Pois nesses países, a decisão de política pública tem grande impacto na competitividade brasileira.

            Os agentes do mercado costumam dizer que os mercados se bastam em suas sinalizações para seu próprio ajuste e que qualquer interferência governamental estragaria tudo. Na hora do aperto se valem de abrir exceções para o alongamento e refinanciamento de dívidas a custo público, renúncias fiscais, aquisições governamentais, estoques reguladores, e todos esses nomes que significam subir com os dois pés em cima do dinheiro público para sustentar a idéia clara da mão invisível do mercado, com intuito de conseguir privilégios ou ganhos na posição em relação aos concorrentes. Mas essas são as buscas para remediar as falhas do funcionamento do mercado. Agora entre as falhas de governo, o planejamento do setor sucro-alcooleiro nos tempos do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) também sofreu grandes distorções da eficiência do uso do dinheiro público, finalmente ele foi banido, e junto com ele todas as assombrações.

Figura 2 - Variações de Preços do Álcool Hidratado nas Usinas, Distribuidoras e Postos na Safra 2006/2007.

 

Fonte: Elaborada a partir dos dados do CEPEA/ANP/IEA.

            O produtivismo agropecuário se repete na agroindustrialização sucroalcooleira e rebate nas ineficiências da comercialização advinda de mercados frágeis institucionalmente e longe de serem auto-suficientes na sua coordenação.

            Participar do mercado é respeitar sua regra do jogo de volatilidade, elasticidade e informação imperfeita. Ignorar essas premissas e entrar no jogo para produzir e depois ver quem vai comprar sem proteção de preço nem mesmo percebendo os problemas de liquidez, acreditando que o mundo está ávido por biocombustível e que vai evaporá-lo assim que for produzido, isso é bastante pretensioso, e perigoso. Com um olhar adiante, a gestão estratégica elabora cenários alternativos. Isso mesmo, alternativos, de forma que não há certeza.

            As estratégias mais avessas a essa exposição e aos custos de transação é a integração vertical da produção agrícola até a exportação, a exemplo da aproximação entre a Petrobrás e a Mitsui, uma estrutura fora do mecanismo de mercado para coordenar o caminho do álcool até o destino, ficando apenas mais exposto ao combustível substituto.

            A coordenação em mercados é uma difícil tarefa coletiva que se dá por meio de sinalizações. Essas sinalizações podem ocorrer de formas subjetivas como, por exemplo, a opinião de consultores experientes, cheios de contatos no setor, que apontam com grande responsabilidade as direções de investimentos e produção. Há também o importante papel dos institutos de pesquisa, que por meio de levantamentos estatísticos de demanda, estoques, previsão de safra, oferecem informações imprescindíveis à interpretação dos agentes do mercado para realizarem a fixação de preços futuros. A diferença temporal das sinalizações entre os mercados de amanhã e os de depois de amanhã criam as curvas de preços futuros que permitem ajustes mais suaves entre as expectativas de compradores e produtores.

            Quando a informação sinaliza de frente para trás, os agentes de mercado identificam que haverá um incremento na adição de álcool na gasolina em países que se tornarão importadores de álcool. Realizam-se investimentos em infra-estrutura nos postos para operar com maior quantidade de álcool adicionado na gasolina. Por sua vez, os distribuidores vão redimensionar suas estruturas de armazenamento e transporte. As tradings poderão posicionar-se nas bolsas de mercadorias e de futuros para estruturar operações que garantam preço, câmbio e produto. Essa sinalização é que vai garantir uma oferta ajustada daí para trás.

            Entretanto, não é isso que ocorre no mercado internacional de álcool, mercado ainda em construção, uma vez que há contratos de grandes trading companies que concentram enormemente a exportação. Nesse tipo de operação a fixação de preços é uma grande incógnita relacionada às operações em mercados pouco líquidos e concentrados, haja vista a volatilidade do preço do álcool exportado pelo Brasil e sua relação com os estoques internos. Nos países importadores, o papel das distribuidoras e importadoras será crucial na coordenação do mercado e determinação da demanda.

            Os modelos de coordenação são complementares, com finalidades diferentes. A integração vertical para a exportação, enquanto se forma o mercado internacional. Sendo que este segundo, se a médio prazo estiver funcionando plenamente, será mais eficiente para a coordenação do álcool para o consumo interno.

            Antes de expandir a produção, criar fundos de investimento, destinar bilhões de recursos do BNDES para os projetos greenfield, tendo em vista o mercado internacional, é preciso estar atento à criação do mercado interno bem coordenado, moderno e forte, pois para o capitalismo, a estabilidade dos mercados, das instituições e das organizações é um importante recurso. Assim, poderá haver retornos consistentes, possibilitando a manutenção do interesse parcimonioso dos investidores, e o interesse de importadores de álcool num mercado bem estruturado para dar suporte às exportações e à internacionalização do álcool.

            Esta safra é um bom teste para saber se o mercado interno de álcool é capaz de absorver todo o desequilíbrio dos estoques de açúcar. Isso é mais importante do que a criação de um mercado mundial de álcool, o qual caminha a passos lentos. Mas deve seguir um longo e gradual percurso de estruturação de todas as transações necessárias para que o álcool seja finalmente queimado nos motores em todo o mundo.
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1Veiga Filho, A. de A. Superprodução de álcool na safra 1999/2000: superação avançada ou conservadora? Análises e Indicadores do Agronegócio. São Paulo, v.1, n.8, ago. 2006. Disponível em: <http://iea.sp.gov.br>.

Palavras-chave: álcool, cana-de-açúcar, etanol.


Data de Publicação: 15/08/2007

Autor(es): Thomaz Fronzaglia (thomazfronzaglia@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor