Governança Corporativa no Agronegócio

            Reportagens publicadas recentemente mostram que produtores rurais e empresas familiares do agronegócio começam a profissionalizar a gestão e aderir à governança corporativa para abrir o capital. Assim, poderão levantar recursos nas bolsas de valores e também permitir a entrada de fundos de private equity (especializados em comprar participações em empresas), aproveitando a maré favorável do fluxo de capitais em busca de oportunidades. Esta é uma das formas de alavancagem de recursos para sustentar o crescimento da empresa, ao lado da inversão de lucros e do crédito.

            No Mato Grosso, por exemplo, produtores de commodities (soja, milho e algodão) estão criando empresas para gerir seus negócios e, ao mesmo tempo, preparam a abertura do seu capital. Esses agricultores são estimulados pelos bons preços, pelo cenário favorável no mercado internacional e pelas limitações do crédito rural oficial, bem como pelo alto custo do dinheiro no mercado. As novas empresas do campo estão à procura de capital de giro para a sua expansão por meio de novos investimentos, sendo a profissionalização da gestão um dos principais elementos que podem permitir a elevação da captação de recursos a juros mais baixos.1

            No mesmo sentido, os conglomerados agrícolas, nascidos de simples fazendas, como os grupos Maggi, Caramuru e Vanguarda, que estão se adequando ao processo de governança corporativa para entrar na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Para isso, buscam profissionalizar o comando, originalmente familiar, com a substituição dos donos por executivos de carreira. Exemplo de fazenda que passou por grande processo de profissionalização é o Grupo Maggi, já a caminho da Bovespa.2

1 - Transparência

            Decisões como estas dependem fundamentalmente de transparência, um dos princípios básicos do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Os demais são equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. A transparência é assim definida pelo Código: "Mais do que ´a obrigação de informar´, a Administração deve cultivar o ´desejo de informar´, sabendo que da boa comunicação interna e externa, particularmente quando espontânea, franca e rápida, resulta um clima de confiança, tanto internamente, quanto nas relações da empresa com terceiros. A comunicação não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, mas deve contemplar também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação empresarial e que conduzem à criação de valor"3.

            A transparência, como a equidade, a responsabilidade pelos resultados (accountability) e a obediência às leis do país (compliance), é assegurada aos sócios-proprietários pela boa governança. De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a governança corporativa garante aos sócios o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva. Com a profissionalização, privatização, globalização e afastamento das famílias, a governança corporativa colocou o conselho de administração entre a propriedade e a gestão. A relação entre ambos dá-se por meio do conselho de administração, da auditoria independente e do conselho fiscal, instâncias fundamentais para o exercício do controle4.

            A governança corporativa foi impulsionada, no final dos anos 1990, com a criação do IBGC e, em 2000, com a implantação na Bovespa Novo Mercado e dos chamados Níveis Diferenciados de Governança Corporativa 5. Outra contribuição foi a nova Lei das SAs, em 2001, que trouxe uma série de mudanças, principalmente no sentido de regular o papel da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para atuar de maneira mais efetiva no mercado. Mais recentemente, destaca-se o "ativismo" dos investidores por meio de fundos e do aporte de capital nas empresas.

            Em termos mundiais, um marco importante foi a quebradeira de empresas de grande porte do mercado americano, no início de 2001, mostrando a fragilidade dos controles em relação a fraudes contábeis e à conduta de gestores. Por isso, foi criada a Lei Sarbanes-Oxley6 que impactou a governança em todo o mundo, até porque empresas de vários países têm, por exemplo, ações na Bolsa de Nova York.

            Por fim, movimentos provocados pela globalização - maior integração de mercados, fluxos de mercadorias e produtos, de capitais e de informações – têm impacto em tempo real nas ações de empresas listadas em bolsas nas diferentes partes do mundo.

2 - Primeiras Experiências

            As observações apresentadas a seguir foram extraídas de entrevista concedida por profissional especializado em governança corporativa e responsabilidade social, professor-doutor Cláudio P. Machado Filho7.

            No agronegócio brasileiro, empresas de capital aberto e de tradição, como Sadia e Perdigão, pela sua própria dinâmica, vêm desenvolvendo processos e mecanismos de governança, comparados a qualquer outro setor da economia, já há algum tempo. Por outro lado, existe um grande contingente de empresas de perfil médio, em diversos segmentos do agronegócio (produção agrícola, processamento industrial, etc.), que são estruturas familiares, na sua grande maioria de capital fechado. Nessas empresas, há dificuldade de se criar esferas de governança.

            Nos setores mais dinâmicos, de maior exposição ao mercado global, como carnes, soja e açúcar, nos quais o Brasil é grande player do mercado, a necessidade de sustentar o processo de crescimento fará com que as empresas, dado o porte e o grau de inserção na economia global, fatalmente se direcionem para aprofundar e aprimorar os seus processos de governança corporativa.

            No setor sucroalcooleiro, já existem fundos de private equity, tanto internacionais quanto nacionais, que estão investindo na produção de etanol, como George Soros e Gávea, além de outros fundos que estão atentos para o potencial desse mercado.

            Na abertura de capital, exemplos mais recentes são os grupos Cosan, São Martinho e Açúcar Guarani. A nova recomposição societária da usina Vale do Rosário com a Santa Elisa é uma preparação para mais à frente abrir o capital. E a própria Coopersucar está discutindo a possibilidade de se tornar empresa de capital aberto. Assim, a tendência no setor é de concentração nos próximos anos, com uma nova configuração em termos de estrutura de propriedade, tendo o etanol como o grande carro-chefe.

3 - Responsabilidade Social

            Na governança corporativa, transparência e responsabilidade social caminham juntas. O interesse dos acionistas e as práticas de governança pressupõem que a criação de valor para os acionistas da empresa não pode atropelar os interesses dos demais stake-holders que estão em torno da organização; ou seja, não se pode passar por cima de questões éticas e dos interesses de fornecedores, clientes, empregados e da comunidade. É impensável, por exemplo, uma empresa ser leniente ou abusiva em aspectos relacionados com o meio ambiente, porque isto vai fazer com que ela perca reputação e valor. Assim, um aspecto central da governança é a percepção de que, sob uma visão sustentável do negócio, noções éticas e legais são cruciais no processo de criação de valor da empresa.

            Por fim, as cooperativas são um caso particular de governança corporativa, cujos desafios são ainda maiores do que os das empresas. A cooperativa é uma sociedade de pessoas na qual uma pessoa corresponde a um voto. Além disso, o associado, quando vende para a cooperativa, quer receber o melhor preço possível e quando compra insumos, por exemplo, quer pagar o menor preço possível.

            Outro aspecto relaciona-se à condição de que, na empresa, quem é dono de ações tem lucro com a sua valorização, recebe dividendos proporcionalmente ao capital e pode negociar a própria parte no mercado. Isto não ocorre para as cooperativas, ou seja, a cota-parte não tem valor intrínseco de mercado, de maneira que o cooperado não tem relação de sócio-capitalista com a cooperativa. Assim, a instalação de processo de governança numa cooperativa seria uma ação voluntária no sentido de sistematizar o processo de tomada de decisões e a definição de objetivos estratégicos e do monitoramento e do controle.

            Diante das observações aqui apresentadas, pode se apontar que a governança corporativa e seus fundamentos vêm ganhando espaço, especialmente em alguns segmentos do agronegócio. O seu fortalecimento vem a ser instrumento promissor para o financiamento de negócios que envolvam atividades, como produção agrícola e processamento industrial, favorecendo o processo de criação de valor nas empresas. Por outro, seus fundamentos, com destaque para a transparência, são essenciais para a boa gestão, colaborando para o monitoramento, controle e definição de estratégias no negócio agrícola, em especial para as cooperativas.
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1ZANATTA, M. Febre do IPO chega a produtores do MT. Valor, São Paulo, 17 jul. 2007, Caderno B, p. 14.
2FAZENDAS S/A. Dinheiro Rural, São Paulo, v. 4, p. 68-73, set. 2007.
3CÓDIGO das melhores práticas de governança corporativa. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/ibConteudo.asp?IDArea=864&IDp=3>. Acesso em: 16 ago. 2007.
4LODI, J. B. Governança Corporativa: o governo da empresa e o conselho de administração. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
5No nível 1 de governança corporativa, as empresas devem assumir perante os investidores compromissos referentes ao fornecimento de informações que auxiliem na avaliação sobre o valor da empresa; no nível 2, a adesão requer um conjunto maior de exigências, como compromissos societários que garantam maior equilíbrio de direitos entre todos os acionistas; e o nível 3 refere-se ao "novo mercado", cuja adesão da empresa deve atender a um conjunto de regras societárias que amplia os direitos dos acionistas, melhora a qualidade das informações e oferece alternativa de mais agilidade e especialização - a principal inovação é de que o capital social da empresa seja composto somente por ações ordinárias. Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/Principal.asp>. Acesso em: 17 set. 2007.
6De autoria dos senadores Paul Sarbanes e Michael Oxley, a lei foi sancionada pelo presidente George W. Bush em 30 de junho de 2002 na seqüência dos escândalos financeiros envolvendo grandes corporações como Enron e Worldcom. A Lei Sarbanes Oxley visa aprimorar a governança corporativa e aperfeiçoar controles financeiros de empresas de capital aberto que possuem ações em bolsas de valores nos Estados Unidos.
7Departamento da Administração, Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) e membro do grupo do grupo de pesquisa do PENSA - Agribusiness Intelligence Center, da Fundação Instituto de Administração (FIA). Entrevistado em 21/08/2007.

Palavras-chave: governança corporativa, agronegócio, transparência.

Data de Publicação: 28/09/2007

Autor(es): José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor
Renata Martins (rmsampaio@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor