Taxa de Câmbio e Preço das Commodities

            Em palestra realizada em 07 de novembro, na celebração dos 65 anos do Instituto de Economia Agrícola, Luiz Carlos Bresser Pereira apresentou sua argumentação acerca do comportamento da taxa de câmbio que teve como corolário a proposta de taxar as exportações agrícolas.

            A proposta pode parecer estranha para os leigos, e contrária aos interesses da agricultura, mas se baseia no argumento denominado "doença holandesa" que pode explicar pelo menos parte da evolução da taxa de câmbio nos últimos anos. A lógica desse argumento é que o bom desempenho das exportações agrícolas resulta em ingresso excessivo de divisas, e conseqüente apreciação cambial, por sua vez, prejudicial aos exportadores e à própria agricultura, setor mais aberto às transações externas do País1.

            A taxa de câmbio é um preço importante para a dinâmica econômica cujas implicações podem variar de um extremo, quando empregada como instrumento de política industrial, ao outro, quando constitui peça chave para a estabilização. No Brasil a política cambial alcançou esses extremos.

            Na era da substituição de importações a taxa de câmbio era empregada predominantemente para promover a industrialização e para isso foram adotadas diversas estratégias, condicionadas à conjuntura econômica, mas sempre com vistas ao incremento das exportações. Destaque-se as taxas múltiplas de câmbio, do início da década de 1950, as minidesvalorizações a partir de 1968, com reajuste cada vez mais freqüente visando manter a taxa real de câmbio estável, e as maxidesvalorizações empregadas em momentos de crise do balanço de pagamentos.

            No Brasil contemporâneo a política econômica tem a estabilização de preços como meta maior, cabendo à política cambial um papel de destaque nesse contexto. Essa foi a estratégia da primeira fase pós-Plano Real e só foi alterada no começo de 1999 após ataque especulativo contra a moeda nacional. Foi uma etapa de forte apreciação cambial que resultou em elevados déficits comerciais e rápido crescimento da dívida externa. No entanto, teve o mérito de reverter, de maneira sustentável, o processo inflacionário que perturbava o desempenho da economia brasileira há décadas.

            A crescente mobilidade de capitais internacionais vem forçando os países a optar pelo regime de câmbio flutuante, embora os governos se reservem o direito de intervir quando necessário. O Brasil optou pela flutuação cambial em janeiro de 1999 e em julho do mesmo ano adotou o sistema de metas inflacionárias para garantir a estabilização de preços. Esta estratégia se mantém até os dias atuais e também tem contribuído para a apreciação cambial, porque atrai capitais internacionais dado que se baseia em taxa de juros elevada para conter a demanda agregada e o nível de preços da economia.

            Este trabalho analisa a taxa de câmbio a partir da adoção do sistema de metas inflacionárias, mês em que o preço médio de compra do dólar livre foi de R$1,7995 e o menor valor observado foi R$1,7567. Apresenta também a evolução dos preços das commodities primárias no mercado internacional, apontada como responsável por boa parte da evolução da taxa de câmbio no Brasil.

            Depois de um breve período de desvalorização nominal do real, a partir de 03/03/2000 e por 27 dias úteis consecutivos, a taxa de câmbio livre caiu para valor ainda menor que R$1,7567. Depois disso passou a aumentar, com natural flutuação, até meados de 2002 quando, em razão das incertezas provocadas pela eleição do novo presidente, a moeda nacional enfrentou forte ataque especulativo que levou o preço do dólar ao máximo de R$3,9544 em 22/10/2002 (Figura 1).

            Depois de decidida a eleição, e definida a nova equipe de governo, o processo especulativo arrefeceu e, a partir da segunda quinzena de abril de 2003, a taxa de câmbio caiu para o patamar próximo de R$3,00/US$ onde permaneceu por mais de um ano, resultando em taxa média de R$2,92/US$ entre 16/04/2003 e 20/05/2004. Desde 21/05/2004, quando atingiu R$ 3,2043 vem mostrando nítida tendência decrescente, passando pelo mínimo de R$1,7317 no começo de novembro de 2007.

            Em 07/12/2007 a taxa de câmbio foi de R$1,7608 que, comparada a R$2,92/US$, média observada de meados de 2003 a 2004, resulta em apreciação nominal de 40%.

Figura 1 - Taxa de Câmbio Livre, Compra, 01/07/1999 a 07/12/2007.

Fonte: Elaborada a partir de dados básicos de IPEADATA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br/>. Acesso em: dez. 2007.

            A taxa de câmbio real efetiva é um indicador mais adequado para avaliar os possíveis impactos das mudanças cambiais sobre a economia porque se baseia na paridade do poder de compra da moeda2. As estimativas disponibilizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) têm o índice de preços por atacado - oferta global (IPA-OG) e o índice nacional de preços ao consumidor (INPC) como indexadores e aqui foram denominadas TCRE-IPA e TCRE-INPC, respectivamente. São informações mensais, disponíveis até novembro de 2007.

            Para uma perspectiva de longo prazo esses índices foram calculados tendo por base a média de todo o período jul./1999-nov./2007. O resultado evidencia a forte apreciação real da moeda brasileira nos últimos anos. Desde novembro de 2004 o índice TCRE-IPA está abaixo da média, com nítida tendência decrescente, chegando a 67,8 no mês passado. Significa que nesse mês a moeda brasileira registrou apreciação real de 32,2% em relação à média de toda a série. O indicador TCRE-INPC mostra apreciação em relação à média do período um pouco menor, mas ainda assim expressiva: começou em maio de 2005 e alcançou 24,3% em novembro último (Figura 2).

            Para o futuro é de se prever a continuidade do processo de apreciação do real, bem como dos expressivos saldos comerciais da agricultura brasileira, pelo menos enquanto não houver mudanças no cenário internacional ou na política econômica doméstica.

Figura 2 - Índice da Taxa de Câmbio Real Efetiva, Brasil, 1999-2007.

Fonte: Elaborada a partir de dados básicos de IPEADATA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br/>. Acesso em: dez. 2007.

            A maior parte dos produtos primários está em alta no mercado internacional e o Brasil é um importante exportador. Dos 38 levantados pela Organização Mundial de Comércio, apenas peles e couros, chá e camarão estavam em baixa no primeiro semestre de 2007 quando comparados à média do triênio 1999-01 (Tabela 1).

Tabela 1 - Índice de Preços das Exportações de Commodities Primárias, 1999-2007

(continua)

 Produto

 

Índice (1995 = 100)
Variação sobre 1999-01 (%)
1999-011
2004-061
2006
2007
 
2004-061
2006
20072
Urânio
77
268
409
862
248
431
1.019
Cobre
57
151
230
232
166
306
309
Níquel
84
214
293
542
155
250
548
Borracha
41
104
133
145
155
227
255
Zinco
100
184
317
346
85
218
247
Minerais e metais não ferrosos
76
155
217
268
103
184
251
Petróleo cru
137
301
374
358
120
174
162
Chumbo
76
167
205
315
119
170
314
Minério de ferro
101
212
273
298
110
170
195
Gás natural
132
241
288
289
83
119
119
Carvão
73
137
136
146
88
86
100
Alumínio
80
114
143
154
42
78
92
Laranja
87
158
155
162
81
77
85
Estanho
82
132
141
216
61
71
162
Açúcar
64
86
108
83
35
70
30

¹Média do triênio.
²Primeiro semestre.

Fonte: WTO. International trade statistics. Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/ statis_e/its2007_e/ its2007_e.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2007.

Tabela 1 - Índice de Preços das Exportações de Commodities Primárias, 1999-2007

(conclusão)


 

 Produto

 

Índice (1995 = 100)
Variação sobre 1999-01 (%)
1999-011
2004-061
2006
2007
 
2004-061
2006
20072
Trigo
66
94
108
114
42
63
72
Cacau em grão
73
109
111
134
50
53
84
Peixe
71
87
106
95
23
50
34
Banana
103
134
153
153
29
48
48
Arroz
65
87
95
100
34
45
53
Cevada
79
99
112
155
26
42
96
Café
50
61
70
76
22
41
52
Óleos vegetais
74
106
103
127
44
39
72
Milho
72
90
99
133
24
37
84
75
98
99
133
32
33
78
Carne bovina
103
134
134
137
30
30
33
Cordeiro
106
141
136
139
34
29
31
Madeira
86
99
105
112
16
23
30
Carnes
101
127
123
129
26
22
28
Carne suína
88
108
102
106
23
16
21
Aves
110
132
125
138
20
14
25
Frutos do mar
83
80
94
88
-4
13
5
Algodão
54
59
59
60
9
9
10
Chá
138
133
147
127
-3
7
-8
Peles e couros
90
76
78
87
-15
-13
-4
Camarão
111
65
66
71
 
-42
-41
-36

¹Média do triênio.
¹Primeiro semestre.

Fonte: WTO. International trade statistics.

 Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/ statis_e/its2007_e/ its2007_e.pdf>.Acesso em: 05 dez. 2007.

            Os minérios apresentaram as maiores altas, destacando-se o urânio cujo acréscimo de preço em relação à média do triênio 1999-01 foi de 431% em 2006 e de 1.019% no primeiro semestre de 2007.

            O ranking da variação entre a média de 1999-01 e 2006 mostra que o cobre foi o segundo produto com maior alta de preço (306%), seguido pelo níquel, borracha e zinco, todos com aumentos acima de 200%.

            Dos produtos agrícolas, a borracha é o que teve maior aumento de preço no período, também porque entre 1999 e 2001 estava em baixa. Note-se que a base do índice é 1995 (1995 = 100) e a média de 1999-01 é 41, ou seja, neste triênio o preço da borracha estava em 41% do observado em 1995.

            Embora os produtos agrícolas não liderem a alta de preços, estão em nível bem acima da média do período 1999-2007. A fase de alta começou em 2003 e, no primeiro semestre de 2007, as matérias-primas agrícolas, alimentos e bebidas registraram aumento de preço de mais de 20% em relação à média do período analisado (Figura 3).

Figura 3 - Índice de Preços das Exportações de Commodities Primárias, 1999-2007. 

Fonte: WTO. International trade statistics. Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/ statis_e/its2007_e/ its2007_e.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2007.

            Como o Brasil tem vantagens comparativas naturais no mercado agrícola, favorecido pela alta dos preços, vem conseguindo sustentar os saldos comerciais favoráveis e suficientes para compensar boa parte da apreciação cambial. Com isso a agricultura continua trazendo divisas para o País e contribuindo para a continuidade do processo de apreciação cambial que, por sua vez, impede que o setor aproveite esse momento de alta dos preços internacionais.
_______________________________________
¹A denominação "doença holandesa" se deve à perda relativa de competitividade da indústria holandesa devida à apreciação do florim que se seguiu à descoberta e exploração de grandes jazidas do gás natural na década de 1960. O ingresso excessivo de divisas causa apreciação cambial e conseqüente mudança dos preços relativos em detrimento dos setores que o País tem menor vantagem comparativa. O processo também é designado maldição dos recursos naturais.
²A taxa de câmbio real efetiva é calculada levando em conta a inflação brasileira, a dos principais parceiros comerciais e respectivas taxas de câmbio.

Palavras-chave: taxa de câmbio, índices de preços, preços de commodities



Data de Publicação: 08/01/2008

Autor(es): Maria Auxiliadora de Carvalho (macarvalho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor