Café: cotações futuras para o arábica próximas de R$350,00/sc.!


1 - Introdução

            Em janeiro de 2008, as cotações internacionais do café nos diferentes mercados onde o produto é transacionado demonstram acentuação do movimento ascendente, com substanciais elevações em todas as praças. Em Nova Iorque o ganho foi de 2,38% com cotação média alcançando US$181,31/sc. (arábica contrato C, segunda posição). Tal incremento transmitiu-se para os demais mercados com ganhos de 1,56% na BM&F (futuro, segunda posição cotado na média do mês a US$168,78/sc.) e de 8,60% na Bolsa de Londres (robusta, contrato futuro em segunda posição cotado na média do mês a US$120,78/sc.) (Figura 1). Com aumento de 26,47% nos últimos 12 meses, o robusta cotado em Londres é disparado o produto que exibe os maiores ganhos no mercado de café. Em Nova Iorque (café arábica) o ganho acumulado nos últimos 12 meses foi de 12,44%, ou seja, menos que a metade do observado para o robusta. Combinadas as duas cotações (arábica e robusta), o indicador composto da Organização Internacional do Café registrou ganho de 3,53% em janeiro, com índice registrando US$161,81/sc.

Figura 1 - Cotações Médias Mensais do Café em Diferentes Mercados de Futuros (Segunda Posição) e do OIC-Composto Diário, Janeiro de 2004 a Janeiro de 2008.

                                   Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil2.

            Fatores como a acentuada diminuição nas disponibilidades (diversas posições de estoques) e incremento do consumo usualmente esperado, quando se instala o inverno no Hemisfério Norte, foram os principais fatores que impulsionaram as cotações em janeiro de 2008. Ademais, compete registrar que na série em tela, os picos de preços foram sempre registrados no primeiro trimestre de cada ano, revelando ser esse um momento de acentuação da procura/especulação com o produto.
            Na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), os acréscimos nas cotações tiveram, embora com menos vigor frente ao registrado em Nova Iorque, crescimento de 1,56% em janeiro. Em função desse menor ganho, o diferencial entre BM&F e NY, que contabilizava em dezembro de 2007, US$10,90/sc., saltou para US$12,54/sc. em janeiro de 2008, sendo esse valor o maior apurado nos últimos sete meses. As variações nas cotações do café arábica na BM&F caminham pari passo com as oscilações das cotações do dólar e, em razão dessa imbricação, pode haver, em momentos particulares, um descolamento entre as bolsas paulista e nova-iorquina.
            Em São Paulo, os preços recebidos pelos cafeicultores em janeiro de 2008, apurados pelo Instituto de Economia Agrícola, mantiveram-se praticamente iguais aos do fechamento de dezembro, com valor de R$253,59/sc. (bebida dura tipo 6). Os ganhos registrados nos últimos 12 meses contabilizam apenas 10,21%. O preço de janeiro de 2008 é inferior ao observado no mesmo mês dos anos anteriores que, nominalmente, estiveram acima dos R$270,00/sc. Novamente, a valorização do real arrefeceu os ganhos observados em dólar para o produto, criando essa situação de preços menores sob vigência de quadro em que os estoques escasseiam e o consumo se incrementa (Figura 2).
 

Figura 2 - Preços Médios Mensais Recebidos pelos Produtores de Café Arábica, Estado de São Paulo, Janeiro de 2004 a Janeiro de 2008.

                                                        Fonte: Elaborada a partir de dados do Instituto de Economia Agrícola.

2 - Preços de Mercadorias Medidos com Base em Mercadorias3

                Na agropecuária global, o período que se segue o pós-II Guerra caracteriza-se pela aceleração do processo de introdução de inovações com conseqüentes desdobramentos estruturais tanto sobre a base física em que são desenvolvidas as lavouras e criações (mudanças no tamanho das explorações) como na observação de ganhos substanciais de produtividade. Entretanto, é possível afirmar que tais mudanças também induziram alterações nos preços relativos das mercadorias agrícolas?
 

Figura 3 - Paridade de Preços Recebidos pelos Produtores de Milho e Café, Estado de São Paulo, Médias Mensais 1954-2008.

                                            Fonte: Elaborada a partir de dados básicos do Instituto de Economia Agrícola.
 

            Considerando a longa série de preços mensais recebidos pelos produtores paulistas de milho e café arábica (de 1954 a 2007), pode-se construir uma paridade de preços entre ambos os produtos. Em que pese as grandes oscilações de curto prazo verificadas nessa relação (mais de 60 sacas na segunda metade dos anos 70s), o ajuste linear aponta tendência de aumento na necessidade de sacas de milho para aquisição de uma saca de café, pois, de 10 sacas de milho por uma de café passou-se, na atualidade, a serem necessárias 12 sacas do cereal para aquisição de igual volume da rubiácea (Figura 3). Trata-se de um ajuste apenas marginal e bastante aderente às conclusões de outro estudo que também observou poucas alterações significativas nas paridades algodão/milho e algodão/soja4. Nesses casos, muito mais inter-relacionadas, em função do ciclo anual dessas culturas e da competição pelo território a ser explorado. Portanto, as paridades entre as mercadorias, classificadas como commodities, tendem a flutuar em torno de médias similares no médio e longo prazo.
            A pequena vantagem relativa do café sobre o milho pode ser explicada pelo processo de 'descomoditização' exibido pelo produto. Enquanto para o milho prevalece o caráter uniformidade e volume na realização de transações (commodity clássica), no café arábica, aspectos como qualidade da bebida, origem, variedade, cor, peneira, entre outros são fatores que modificam as cotações sinalizadas para preços diferenciados nos negócios celebrados. A vantagem do café poderia ser ainda maior, caso não fossem os exponenciais ganhos de produtividade e de escala observados na cultura do milho, decorrentes da possibilidade de mecanização integral da lavoura (produtividade do trabalho) e a exploração de áreas com dimensões monumentais (ganhos de escala). No café, tais ganhos foram mais modestos, com uma única exceção que são as lavouras conduzidas nos cerrados brasileiros onde adensamento, mecanização (manejo e colheita) e irrigação já constituem o pacote tecnológico predominante dessa década.
            Todavia, dessa constatação histórica é possível retirar indicações para o porvir? Ao observar-se os três últimos anos da série, vê-se que o milho passou progressivamente a exibir vantagem sobre o café, com substancial redução do volume para aquisição de uma saca de café. Esse fenômeno é essencialmente reflexo do aumento da demanda pelo cereal, após a decisão dos policy makers estadunidenses em estimular o agronegócio enquanto alternativa ao petróleo para suprimento da demanda de combustíveis, elegendo-se o milho como o insumo para a produção de etanol. Tal orientação modificou estruturalmente a dinâmica desse mercado, sendo que as atuais cotações alcançadas para o milho, muito provavelmente, deverão se sustentar nos atuais patamares ao longo dos próximos anos.
            Diante dessa recente vantagem do milho sobre o café, o que se pode inferir sobre os preços desse último produto? Caso esteja correta a hipótese de convergência para o equilíbrio nas paridades entre as mercadorias5, o café poderá aguardar cotações acima dos R$300,00/sc. no curto prazo e acima dos R$350,00/sc. no médio e longo prazo. Essa previsão está bastante harmônica com aquilo que os cafeicultores vêm continuamente afirmando, qual seja, a baixa rentabilidade alcançada com o produto comparativamente às outras opções de uso da terra. Os indícios de estagnação na evolução da área cultivada com café no Brasil ratificam o argumento dos produtores, pois a decisão de investimento na ampliação das lavoura está condicionada a taxas de retorno compatíveis com as remunerações alternativas disponíveis no mercado financeiro.
            Desgraçadamente, esse cenário para cotações em alta possui um conteúdo eminentemente inflacionário. A contaminação generalizada dos preços e salários pelas expectativas de alta das mercadorias será o custo a ser pago por essa previsão. A economia contemporânea será capaz de absorver patamares mais elevados de inflação sem a ignição de processos inflacionários inerciais? Para tais dúvidas somente o porvir poderá esclarecerer.

3 - Mitigação no Grau de Volatilidade das Cotações de Café Arábica

            As cotações do café arábica no mercado de Nova Iorque (Contrato C - primeira posição) exibem progressiva diminuição na amplitude de variação. Por exemplo, no período 1990-2007, as cotações tiveram média de variação de 75,79% entre a máxima e a mínima. Todavia, na atual década, tal oscilação já mostra importante redução, para 56,41%, que se aprofunda no subperíodo 2005-2007 em que o indicador atingiu os 44,47%, fechando o ano de 2007 com apenas 33,49% de amplitude de oscilação entre máximas e mínimas cotações registradas (Tabela 1).

Tabela 1 - Amplitude de Variação das Cotações de Café Arábica, Primeira Posição, Bolsa de Nova Iorque, 1990-2007

Período
Percentual médio de variação
Diminuição %
1990-2007
75,79
-
2000-2007
56,41
- 34,35
2005-2007
44,47
- 70,42
20071
33,49
- 126,30
1Dados até novembro.
Fonte: Comunidade manejo da lavoura cafeeira. Disponível em: <http://www.peabirus.com.br>. Acesso em: fev. 2008.

            A transformação desse arrefecimento das oscilações nas cotações para valores percentuais mostra como o mercado esta cada vez menos exposto a abruptas mudanças nos preços. A queda entre a média de variação do período 1990-2007 para os subperíodos 2000-2007 e 2005-2007 foi de 34,35% e de 70,42%, respectivamente. Comparando-se o período global com o índice registrado em 2007, tal redução foi de 126,30%. Diante de tal constatação, pergunta-se: quais seriam, possivelmente, os fatores explicativos desse fenômeno?
            Talvez, o fator que melhor explique a tendência cadente da volatilidade das cotações do café seja a vulgarização, entre os entes participantes do mercado, dos contratos lastreados por títulos financeiros. Os contratos, cédula do produtor rural (CPR), futuro e opções, os mais usuais nas transações envolvendo café, são cada vez mais fundamentais na elaboração de estratégias comerciais. No caso dos cafeicultores empresariais, tornou-se quase que obrigatório o uso desses mecanismos financeiros tanto como ferramenta de preservação da rentabilidade na atividade quanto também e, sobretudo, como instrumento de transferência de riscos intrínsecos à atividade rural. O aumento da participação relativa desses contratos de venda antecipada no montante global transacionado nos mercados é a principal explicação para o fenômeno em tela.
            A complexidade dos mercados não se resume aos contratos. Fatores adicionais contribuem para essa mudança no comportamento das cotações de café arábica. A facilitação do acesso a dados e análises sobre o mercado de café, propiciada pelas tecnologias da informação, seja talvez o item de segunda maior grandeza na explicação desse fenômeno. Finalmente, pode-se mencionar os significativos ganhos em eficiência logística e de produtividade, principalmente no modal portuário.
            Uma menor amplitude de variação para as cotações confere um maior horizonte para o êxito do negócio, uma vez que, mesmo não sendo capaz de comercializar sua produção no ápice daquilo que o mercado eventualmente registrará no ano, os demais momentos para se efetuar essa transação estarão bastante próximos daquela melhor ocasião desperdiçada. Traduzindo, preços estáveis são condição primordial para a inversão econômica.

______________________
1 O autor agradece a colaboração do Técnico de Apoio à Pesquisa Gilberto Bernardi.
2Dados coletados do Jornal Gazeta Mercantil.
3Este tópico foi baseado em GONÇALVES, J. S.; RAMOS, S. Preços de mercadorias medidos com base em mercadorias: algodão, soja e milho. Análises e indicadores do Agronegócio, São Paulo, jan. 2006. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em: fev. 2008.
4Id., 2006.
5Hipótese que na verdade se transformou em Teoria Econômica após a divulgação dos ensaios sobre o valor das mercadorias de Karl Marx.

Palavras-chave: mercado de café, política cafeeira.

Data de Publicação: 20/02/2008

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor