Embargo e Queda da Participação Paulista nas Exportações Brasileiras de Carne Bovina Não Processada

            A discussão da necessidade de um consistente sistema nacional de defesa da agricultura tem relação intrínseca com a própria harmonia do pacto federativo. Isso porque medidas de embargo, impostas pelas nações importadoras, ou atingem todo o território brasileiro ou destacam a proibição por origem, normalmente envolvendo uma dada unidade da federação onde se detectou o problema e algumas unidades limítrofes. Esse é o caso, por exemplo, do foco de febre aftosa em bovinos do Mato Grosso do Sul em 2005, que resultou no embargo também da carne procedente de São Paulo, ainda que o território paulista esteja livre da referida moléstia. Daí a expressão do esforço e sucesso recente do Governo do Estado de São Paulo, envolvendo o dirigente máximo da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, na defesa dos interesses da agricultura paulista e, principalmente, dos seus produtores, vítimas de injustiça comercial.

            Em função desse embargo, as exportações paulistas de carne não processada no período 2003-2007 evoluíram em ritmo inferior ao total nacional, uma vez que as vendas estaduais aumentaram de US$799,3 milhões em valor (438,0 mil toneladas em peso) em 2003 para 1,3 bilhão (558,8 mil toneladas) em 2007, enquanto as nacionais cresceram muito mais, indo de US$1,2 bilhão (619,5 mil toneladas) em 2003 para US$3,5 bilhões (1.281,3 mil toneladas) em 2007. Ficam nítidos os prejuízos paulistas e de seus produtores uma vez que, de uma participação expressiva (69,3% em valor e 70,7% em peso) em 2003, após o embargo esse percentual recua para patamares baixos (38,7% em valor e 43,6% em peso) em 2007 (Tabela 1). Em linhas gerais, o Brasil seguiu ganhando mercados de carne bovina não processada, mas São Paulo teve obstado seu avanço pelo embargo sofrido.

            Essa diminuição da participação paulista pode ser verificada também quando se detalha as exportações de carne não processada, tanto que na carne fresca ou resfriada há queda da representatividade paulista no período 2003-2007 tanto em peso (67,4% para 34,9%) como em valor (66,7% para 30,8%). No principal tipo de carne não processada destinada à exportação, que é a carne congelada, para o mesmo intervalo temporal, repete-se a constatação de que os percentuais paulistas no total nacional despencam tanto em peso (71,8% para 44,6%) quanto em valor (70,8% para 41,0%) (Tabela 1). Essa ocorrência mostra bem a necessidade de fortalecimento institucional de forma que o Governo Federal possa atuar de forma pronta e decidida para cumprir seu papel precípuo e intransferível de zelar pela harmonia do pacto federativo, impedindo que a atuação deficiente numa dada unidade da federação na sua ação de defesa da agricultura acabe por provocar significativos prejuízos noutras unidades.

Tabela 1- Exportações Paulistas e Brasileiras de Carnes Não Processadas, 2003-2007

Carne bovina fresca ou resfriada
Ano
Valor (US$milhão)
 
Peso (1.000t)
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
 
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
2003
427,9
285,5
66,71
 
154,7
104,2
67,38
2004
592,1
397,2
67,08
 
183,4
122,6
66,87
2005
627,1
376,4
60,03
 
177,7
107,2
60,32
2006
666,5
204,3
30,65
 
122,6
40,8
33,27
2007
779,7
240,2
30,80
 
128,2
44,7
34,90
Carne bovina congelada
Ano
Valor (US$milhão)
 
Peso (1.000t)
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
 
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
2003
726,0
513,9
70,78
 
464,8
333,8
71,80
2004
1.369,4
940,9
68,71
 
740,3
511,8
69,14
2005
1.790,0
983,8
54,96
 
906,2
497,5
54,90
2006
2.463,0
1031,6
41,88
 
1099,1
495,3
45,07
2007
2.700,0
1106,8
40,99
 
1153,0
514,1
44,59
Carne bovina não processada (fresca mais congelada)
Ano
Valor (US$milhão)
 
Peso (1.000t)
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
 
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
2003
1.153,9
799,3
69,27
 
619,5
438,0
70,70
2004
1.961,5
1338,1
68,22
 
923,7
634,4
68,69
2005
2.417,1
1360,2
56,28
 
1083,9
604,7
55,79
2006
3.129,5
1235,9
39,49
 
1221,7
536,1
43,88
2007
3.479,6
1347,0
38,71
 
1281,3
558,8
43,62
Fonte: Elaborada pelo IEA a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.

            Quando se discute a questão do embargo das exportações de carne bovina paulista, há que se considerar o caso da União Européia (UE), em função de que, além das pressões de pecuaristas europeus - especialmente irlandeses- cujas produções são afetadas pela carne importada, as políticas sanitárias adotadas por esse bloco econômico acabam sendo acompanhadas por outras nações de vários continentes. As exportações brasileiras de carne não processada para a UE, conquanto tenha mais que dobrado em valor no período 2003-2007 (US$495,8 milhões para US$1,09 bilhão), em volume não mostra a mesma tendência, uma vez que após ter crescido de 163,1 mil toneladas em 2003 para 314,1 mil toneladas em 2006, recua para 195,1 mil toneladas em 2007 (Tabela 2). Isso revela o efeito da pressão irlandesa sobre as importações de carne brasileira pela UE que se intensifica no correr desse ano, vindo a se tornar muito aguda em meados de 2008.

Tabela 2 - Exportações Paulistas e Brasileiras de Carnes Não Processadas para a União Européia, 2003-2007

Carne bovina fresca ou resfriada
Ano
Valor (US$milhão)
 
Peso (1.000t)
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
 
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
2003
245,1
160,3
65,41
 
58,4
38,6
66,14
2004
353,6
237,7
67,24
 
73,3
49,4
67,34
2005
406,0
240,6
59,25
 
85,4
51,4
60,11
2006
533,8
145,8
27,32
 
81,1
22,7
27,94
2007
614,6
155,6
25,32
 
81,9
20,7
25,25
Carne bovina congelada
Ano
Valor (US$milhão)
 
Peso (1.000t)
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
 
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
2003
250,7
168,9
67,38
 
104,7
70,4
67,22
2004
435,6
289,9
66,55
 
150,0
96,7
64,44
2005
507,3
303,9
59,90
 
208,8
126,5
60,60
2006
625,8
204,2
32,63
 
233,0
87,0
37,33
2007
472,1
82,7
17,51
 
113,2
20,9
18,43
Carne bovina não processada (fresca mais congelada)
Ano
Valor (US$milhão)
 
Peso (1.000t)
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
 
Brasil
São Paulo
SP/BR (%)
2003
495,8
329,3
66,41
 
163,1
109,0
66,83
2004
789,1
527,6
66,86
 
223,4
146,1
65,39
2005
913,3
544,5
59,62
 
294,2
177,9
60,46
2006
1159,6
350,0
30,19
 
314,1
109,6
34,90
2007
1086,7
238,3
21,93
 
195,1
41,5
21,29
Fonte: Elaborada pelo IEA a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.

            A análise do comportamento das exportações paulistas para a União Européia mostra os significativos impactos do embargo desse bloco econômico à carne não processada paulista. São Paulo que, antes da proibição em 2004, contribuía com 65,4% do volume e com 66,9% do valor das vendas de carne não processada para a UE, teve uma redução abrupta de sua participação para 21,3% do peso e 21,9% do valor no ano de 2007. Isso se dá tanto na carne fresca ou resfriada (queda em valor de 67,2% em 2004 para 25,3% em 2007) quanto na carne congelada (66,6% para 17,5%) (Tabela 2). Mas as perdas paulistas na exportação de carne não processada para a UE não representaram queda das exportações brasileiras desse produto que crescem nesse período, revelando uma penalização para a pecuária paulista, conquanto a qualidade sanitária de seu rebanho seja reconhecida. Dessa maneira, o embargo consistiu num mecanismo de concorrência desleal na produção brasileira de carne não processada.

            Ainda que tenha buscado outros mercados, dada a redução da importância das importações da União Européia nas exportações paulistas de carne não processada tanto em valor - de 41,2% em 2003 passou a 17,7% em 2007, quanto em peso - de 24,9% em 2003 para 7,4% em 2007 (Tabela 3), os prejuízos paulistas são elevados e irreversíveis. Se tivessem crescido à mesma taxa das exportações brasileiras, as vendas paulistas de carne não processada atingiriam 905,9 mil toneladas a um valor de US$2,41 bilhões em 2007, revelando assim um prejuízo da ordem de 347,1 mil toneladas a um valor de US$1,0 bilhão. Trata-se assim de impactos relevantes num segmento estratégico e que ocupa 10 milhões de hectares, ou seja, mais de dois terços da área agropecuária paulista de 18 milhões de hectares.

Tabela 3 - Exportações Brasileiras de Carnes Não Processadas pelo Porto de Santos e Participação da União Européia nas Vendas Paulistas, 2003-2007

Carne bovina fresca ou resfriada
Ano
Valor (US$milhão)
Peso (1.000t)
Santos
Santos/BR (%)
UE/SP (%)
Santos
Santos/BR (%)
UE/SP (%)
2003
179,3
41,9
56,16
 
49,0
31,69
37,07
2004
437,9
73,9
59,85
108,4
59,09
40,27
2005
269,5
43,0
63,91
63,2
35,57
47,90
2006
536,8
80,5
71,38
95,6
77,99
55,55
2007
656,7
84,2
64,80
 
105,6
82,35
46,19
Carne Bovina Congelada
Ano
Valor (US$milhão)
Peso (1.000t)
Santos
Santos/BR (%)
UE/SP (%)
Santos
Santos/BR (%)
UE/SP (%)
2003
588,4
81,05
32,88
 
364,8
78,47
21,08
2004
1.045,1
76,32
30,81
541,2
73,10
18,89
2005
1.307,0
73,02
30,89
648,6
71,57
25,43
2006
1.741,2
70,69
19,79
783,5
71,29
17,56
2007
2.076,4
76,90
7,47
 
866,4
75,14
4,06
Carne Bovina Não Processada (fresca mais congelada)
Ano
Valor (US$milhão)
Peso (1.000t)
Santos
Santos/BR (%)
UE/SP (%)
Santos
Santos/BR (%)
UE/SP (%)
2003
767,7
66,53
41,19
 
413,8
66,79
24,88
2004
1.483,0
75,60
39,43
649,5
70,32
23,02
2005
1.576,5
65,22
40,03
711,8
65,67
29,41
2006
2.278,0
72,79
28,32
879,1
71,96
20,45
2007
2.733,0
78,54
17,69
 
972,0
75,86
7,43
Fonte: Elaborada pelo IEA a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.

            Mais claramente o caráter desleal para São Paulo dos impactos da medida se mostra nítido quando é visualizado o desempenho do principal porto de embarque das exportações brasileiras de carne não processada: o porto de Santos. Em 2003 eram embarcadas por Santos (SP) 413,8 mil toneladas de carne não processada correspondendo a um valor de US$767 milhões. Após o embargo, em 2007, foram embarcadas 972,0 mil toneladas com o valor de US$2,73 bilhões, ou seja, crescimento de 134,9% em peso e 256,0% em valor, o que significa no mínimo o dobro do uso e necessidade de ampliação da logística paulista de exportação de carne não processada. E a preponderância do porto de Santos no embarque desse produto se manifesta tanto na carne fresca ou resfriada - percentual que paradoxalmente à idéia de embargo mais que dobra no período 2003-2007, quanto na carne congelada (Tabela 3).

            Noutras palavras, São Paulo perdeu duplamente com o embargo da carne bovina não processada: além de perder receitas de exportação, tem ampliado o uso de sua logística - em especial de transporte que inclusive passa por dentro da capital gerando transtornos correlatos. Em função desses impactos se mostra relevante que as políticas federais levem em conta o caráter federativo dos episódios sanitários, criando mecanismos mais sólidos que possam mitigar os corolários negativos em uma dada unidade da federação, de problemas sanitários que tenham ocorrido em outra. Isso significa zelar para a harmonia do pacto federativo. Mais ainda, essas políticas devem ter nítido que, em sendo a principal plataforma exportadora brasileira, investimentos em infra-estrutura e logística como o Rodoanel e a modernização dos portos (porto de Santos e de São Sebastião), como tantos outros de caráter estruturante, ocorrem em território paulista mas são estratégicos pelo seu caráter nacional.

Palavras-chave: carne não processada, exportação, defesa sanitária, aftosa, embargo.

Data de Publicação: 16/06/2008

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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