O Agronegócio em 2009: águas revoltas?!

            O processo de globalização se caracteriza pela ampliação de vasos comunicantes entre as diversas economias do planeta. Sendo assim, quando um país economicamente relevante entra em crise, esta tende a ser transmitida para os demais países, pois suas economias estão interligadas.

            No caso em questão, a crise financeira internacional, a qual teve início nos Estados Unidos, já ultrapassou as fronteiras daquele país, e afeta agora outras importantes economias da Europa e Ásia. Por exemplo, os recentes números divulgados na imprensa mostram que alguns países, entre eles, Alemanha, Itália, Reino Unido e Japão etc., dão sinais de que estão entrando num processo de recessão1.

            Uma vez que as principais economias do planeta estão apresentando quadro de contração de suas respectivas atividades econômicas, isso implica que a demanda mundial por matérias-primas e insumos intermediários também tende a se retrair e isso, possivelmente, terá reflexos sobre o comportamento da economia brasileira.

            Dados mostram que há forte correlação entre o crescimento mundial e da própria economia brasileira. Em outras palavras, o crescimento econômico brasileiro no período recente esteve diretamente atrelado ao crescimento mundial, pois o destaque ficou por conta da parcela da demanda agregada composta pelas exportações. No entanto, é necessário enfatizar que essas exportações foram lastreadas, principalmente, por commodities, com destaque para as commodities agrícolas.

            Apesar do país ter melhorado consideravelmente seus fundamentos macroeconômicos nos últimos anos e de ter acumulado expressivo volume de divisas, ainda assim apresenta certa vulnerabilidade aos choques externos, uma vez que as commodities, as quais estão na base de suas exportações, possuem baixa elasticidade-preço da demanda2 e reduzida elasticidade-renda3.

            Portanto, pode-se inferir que a crise externa vai atingir fatalmente os países emergentes também, entre eles, o Brasil. O problema consiste em determinar qual será a magnitude dessa crise, fato esse ainda não bem definido pelos agentes econômicos aqui no nosso país.

            Dado que as exportações brasileiras se concentram em commodities, com destaque para as agrícolas, torna-se relevante traçar algumas perspectivas para 2009 comparativamente a 2008. Para executar essa tarefa, serão utilizadas projeções realizadas pelo United States Department of Agricuture (USDA)4.

            Segundo o USDA, o crescimento da economia mundial, que aumentou na média 3,8% no período de 2005-2008, declinará para apenas 1% em 2009, o que representaria uma redução de 73,68% em relação a 2008. O quadro será de recessão para as economias dos Estados Unidos, União Européia/Rússia e Japão, e além disso, os demais países apresentarão expressiva redução de crescimento em 2009. No caso dos mercados emergentes, os quais apresentaram crescimento médio de 7,8% no período 2006-2008, as projeções indicam um crescimento de apenas 4,8% para 2009, com uma queda em termos percentuais de 38,46%.

            As principais ameaças ao comércio internacional de commodities agrícolas são as suas quedas de preços, decorrentes da redução da demanda por parte da principais economias, além da valorização do dólar perante as demais moedas. No entanto, esse último efeito pode ser mitigado com políticas fiscais e monetárias, dado que diversos países acumularam consideráveis reservas no período em que o comércio mundial esteve aquecido.

            Ainda, segundo o USDA, as projeções para 2009 não são nada animadoras para as diversas categorias de commodities agrícolas. No caso dos grãos (como trigo, milho, glúten e farinhas), as projeções apontam para redução de US$10 bilhões comparativamente a 2008, ou seja, redução de US$38 bilhões para US$28 bilhões. Em termos percentuais, esse resultado representa queda de 35,7%. Em relação às oleaginosas, projeções indicam queda em torno de US$5 bilhões, caindo de US$23 bilhões em 2008 para US$18 bilhões ao final de 2009, representando redução de 21,7%. Para o algodão, as previsões mostram redução de US$800 milhões, passando de US$4,8 bilhões em 2008 para US$4 bilhões em 2009, ou seja, queda de 16,6%. Finalmente, para carne, leite e frango, as projeções também indicam queda do volume a ser exportado em 2009 comparativamente ao ano anterior, retraindo-se de US$22 bilhões para US$20 bilhões, com redução de 9%.

            Diante desse cenário internacional traçado pelo USDA e somado ao fato de que, segundo o Banco Central do Brasil (BACEN), o PIB de 2008 crescerá 5,6% relativamente a 2007 e que a mesma instituição prevê que o PIB em 2009 crescerá apenas 3,2%, isso implica em uma variação negativa de 42,85% do crescimento do PIB em 2009 relativamente a 2008. Apesar dessa acentuada queda da taxa de crescimento do PIB brasileiro, ainda assim ela será positiva, o que coloca o país numa situação relativamente um pouco mais confortável comparativamente às nações desenvolvidas, que na sua maioria apresentarão crescimento negativo do PIB.

            Caso esses números se confirmem, o país aparentemente não enfrentará uma simples "marolinha", como afirmava o governo no início da crise internacional por volta de setembro de 2008, mas sim, navegará em águas turbulentas em 2009. Talvez não tão revoltas como as águas da travessia do Cabo Horn no sul do continente americano, porém nem tão tranquilas como as águas da região dos lagos andinos, navegadas pelos demais países, inclusive o Brasil, no período de 2002 a 2008.
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1Não existe uma definição exata de quando um país pode ser considerado em recessão econômica. Alguns economistas consideram como indicativo de que um país esteja num processo recessivo caso apresente crescimento negativo do Produto Interno Bruto (PIB) por dois trimestres consecutivos. O PIB representa a soma de todos os bens finais e serviços de uma dada economia para um dado período de tempo, geralmente, um ano.

2O conceito de elasticidade-preço da demanda mostra como variações nos preços dos produtos impactam sobre sua quantidade demandada. Quando se afirma que um produto apresenta baixa elasticidade, isto quer dizer que os preços devem cair de forma acentuada para que ocorra pequeno aumento da sua quantidade demandada. Detalhes sobre a elasticidade-preço da demanda podem ser encontrados em Nicholson (2002). NICHOLSON, W. Microeconomic theory: basic principles and extensions. United States of America: South-Western, 2002. 748 p.

3Conforme apresentado em Varian (1996), a elasticidade-renda da demanda mostra como a quantidade demandada de um produto varia em termos percentuais em função de variações percentuais da renda. Um bem é considerado normal quando um incremento da renda induz ao aumento da sua demanda em termos percentuais. Portanto, dado que os produtos agrícolas apresentam baixa elasticidade-renda, são necessárias expressivas variações positivas da renda para que a demanda por esses produtos tenha pequena variação positiva. Em função da atual conjuntura, está ocorrendo exatamente o contrário, pois a renda dos países desenvolvidos está retrocedendo. VARIAN, H. R. Intermediate microeconomics: a modern approach. United States of America: Norton, 1996. 650p.

4Disponível em: <http://www.fas.usda.gov/cmp/outlook/2008/Nov-08/outlook-1108.asp>. Acesso em: 2009. 
  
 Palavras-chave: agronegócio, exportações agrícolas, commodities.

Data de Publicação: 14/01/2009

Autor(es): Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor