Ano Internacional do Cooperativismo: as organizações sociais de agricultores familiares na RMSP

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            A Resolução A/RES/64/136 (2009) da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu 2012 como o ano internacional do cooperativismo, com o slogan 'As cooperativas ajudam a construir um mundo melhor'. Nesta resolução, a assembleia geral da ONU reconhece as cooperativas como um fator de contribuição para a erradicação da pobreza e melhoria de vida nas áreas urbanas e rurais2.
 

            A expectativa é alcançar um reconhecimento público do cooperativismo enquanto indutor do desenvolvimento econômico e social, estimulando o aumento do número de cooperativas no mundo e expandindo o processo de intercooperação3.
 

            O conceito de cooperativa para as Nações Unidas se baseia na definição da Aliança Cooperativa Internacional (ACI): 

 

uma associação autônoma, de pessoas unidas voluntariamente para alcançar as aspirações de suas necessidades econômicas e culturais comuns, através de uma ação democraticamente controlada4.


 

            O sistema cooperativista atual tem suas raízes históricas na Inglaterra, no período da Revolução Industrial, com a cooperativa de consumo de Rochdale (1844). Desde então, inúmeras experiências de organização social em cooperativas têm surgido no mundo todo, com atuação em diversos ramos da economia: agropecuária, consumo, crédito, educação, habitação, saúde, trabalho, transporte, turismo, entre outros.
 

            No último dia 29 de maio, Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e que possui uma história de tradição com o sistema cooperativista brasileiro e mundial, atuando em instituições como Organização das Cooperativas de São Paulo (OCESP), Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Organização Internacional das Cooperativas, e Aliança Cooperativa Internacional (ACI), foi nomeado embaixador especial da FAO para o cooperativismo internacional e reforçou em seu discurso a ideia do cooperativismo como um movimento em defesa da paz e democracia.
 

            De acordo com as atuais diretrizes da ONU de encorajar os governos dos países a definir políticas e legislação para criação, crescimento e sustentabilidade das cooperativas, o Brasil está realizando internamente a discussão sobre o marco legal de organização e funcionamento das sociedades cooperativas.
 

            No mês passado, foi promovida pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), no Senado Federal, a audiência pública para debater os Projetos de Lei n. 3 de 2007, de autoria de Osmar Dias, e n. 13 de 2007, de Eduardo Suplicy, que dispõem sobre as sociedades cooperativas, em substituição e modernização da Lei n. 5764 de 1971.
 

            A revisão da legislação é fundamental e, como defendeu na ocasião o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, há a necessidade de simplificar o processo de constituição de cooperativas aos pequenos produtores da agricultura familiar5.
 

            Em 2010, o órgão que concentra a representação do cooperativismo brasileiro, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OBC), congregava 6.652 cooperativas, com mais de 9 milhões de associados e gerando 300 mil empregos diretos. De acordo com a instituição, há uma tendência de aumento do número de associados da OCB, pois em 2011 houve um crescimento de 11% em relação ao ano anterior.
 

            Por outro lado, o número total de cooperativas ligadas à OCB conheceu um decréscimo de 1% em relação a 2010, o que pode significar que houve fusão ou incorporação entre as cooperativas existentes. Em 2011, o Estado de São Paulo era líder nacional com 932 cooperativas participantes do sistema OCB6.
 

            No ramo agropecuário, a OCB agrupava 1.548 cooperativas, 943.054 associados e 146.011 empregados em 2011. As dezesseis maiores cooperativas agropecuárias brasileiras estão entre as 100 maiores empresas de relevância do agronegócio7. A maior parte dessas grandes empresas cooperativas está concentrada na região centro-sul: Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Igualmente, há uma concentração dessas cooperativas em alguns ramos da agropecuária. Das 16 maiores cooperativas, 12 atuam em quatro segmentos: aves e suínos, algodão e grãos, óleo, farinhas e conservas ou atacado e comércio exterior; e 4 têm por foco três outros segmentos: açúcar e álcool, café, e leite e derivados.
 

            Todavia, é preciso salientar a existência de grande heterogeneidade entre as cooperativas brasileiras, conforme chama a atenção o economista Paul Singer, um dos principais estudiosos e articuladores do movimento cooperativista, da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) do Ministério do Trabalho e Emprego8.
 

            Assim, além da OCB, outras entidades representam diferentes formas organizativas de pessoas atuando de acordo com os princípios do cooperativismo como a Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (UNISOL Brasil).
 

            Em 2010, a UNISOL possuía aproximadamente 700 empreendimentos econômicos solidários, em 26 Estados do país e Distrito Federal, alcançando 50.000 trabalhadores. A entidade organiza, representa e articula associações e empreendimentos autogestionários da economia solidária em dez setores: alimentação, agricultura familiar, apicultura, fruticultura, artesanato, cooperativismo social, construção civil, confecção e têxtil, metalurgia e polímeros, e reciclagem.
 

            No ramo agropecuário de agricultores familiares, soma-se a ação da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB) e da União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES).
 

            A UNICAFES tem por foco o agricultor familiar e atua em todo território nacional, agregando cerca de 1.000 cooperativas e 20 mil cooperados, com ações nas áreas de produção, comercialização, crédito, assistência técnica e infraestrutura.
 

            Nas últimas décadas, há uma forte tendência de crescimento de empreendimentos cooperativos sob a perspectiva da economia solidária em vários países da América Latina. Eles surgem como alternativa de geração de trabalho e renda, principalmente a parcelas da população mais diretamente afetadas por crises econômicas, próprias do modo de produção atual.
 

            O viés da economia solidária colabora para renovar e fortalecer o movimento cooperativista mundial, e corresponde a um enorme potencial para que se estabeleçam novas lógicas de relações nos mercados, diante da crise estrutural do capitalismo.
 

            Na economia de mercado a lógica dos negócios está baseada na busca essencial do lucro; na economia solidária, os objetivos dos empreendimentos voltam-se à realização integral do potencial humano, contribuindo para uma sociedade com equidade econômica e social.
 

            Experiências bem sucedidas de empreendimentos cooperativos da produção familiar vêm ocorrendo em diversos setores e regiões do Brasil. A Casa Apis (Central das Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro), por exemplo, organiza mais de 1.500 pequenos apicultores de dez cooperativas de municípios nordestinos.
 

            Em 2011, a Casa Apis produziu e beneficiou aproximadamente 800 toneladas de mel, comercializando para os Estados Unidos e Europa. A expressiva produção levou o governo estadual do Piauí a inserir o mel no cardápio da merenda escolar9, favorecendo a produção das cooperativas locais.
 

            Em São João da Canabrava, Estado do Piauí, agricultores familiares voltados à produção de mel, ovinos, caprinos, mandioca e caju, fazem parte há cinco anos de uma cooperativa que trabalha a cadeia de produção de mel na linha da economia solidária. Segundo o agricultor Laércio Abreu, que no dia 14 de abril esteve presente na palestra de João Bellato 'Fomento ao cooperativismo', promovida pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo e Instituto de Cooperativismo e Associativismo (ICA), a cooperativa do município tem por volta de 240 associados.
 

            Neste cenário, é essencial a realização de pesquisas e levantamentos estatísticos que analisem os impactos socioeconômicos produzidos pelas cooperativas em geral, e aquelas de caráter solidário existentes no país. O objetivo é identificar os anseios, potenciais e limitações das cooperativas agrícolas para o desenvolvimento local e do país como um todo.
 

            No âmbito do Estado de São Paulo, o poder público, representado pelo ICA, Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), institutos de pesquisa, prefeituras, universidades e incubadoras tecnológicas de cooperativas populares, pode ter um papel relevante na identificação, diagnóstico e análises sobre as especificidades, importância e possibilidades das cooperativas agrícolas familiares no território estadual.
 

            Uma mostra de política pública a corroborar com as organizações sociais de agricultores ocorre em São Paulo. No período de 2011 a 2015, o Projeto MicroBacias II destinará incentivos a agricultores pertencentes a associações ou cooperativas. Com valor de US$130 milhões, incluindo recursos do Banco Mundial, é um trabalho de parceria entre as Secretarias de Agricultura e Abastecimento e Meio Ambiente do Estado.
 

            Levantamentos de campo preliminares, efetuados por técnicos da CATI e pesquisadores do Instituto de Economia Agrícola e Instituto de Botânica, constatam que há iniciativas de organização social de produtores familiares em municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), sejam em grupos de produção, associações ou cooperativas.
 

            Citam-se, por exemplo, organizações de agricultura urbana como a Agroverde, a Cooperativa de Agricultores Familiares de Hortaliças de Guarulhos e região. No município de São Paulo, há a Associação dos Pequenos Agricultores do Jardim Damasceno (APAFA) e a Associação de Produtores Orgânicos de São Mateus (APOSM).
 

            No município de Embu das Artes, destaca-se o trabalho da Sociedade Ecológica Amigos de EMBU (SEAE) com o grupo Elo da Terra. O grupo atua na área de produção familiar urbana e orgânica, seguindo os princípios da agroecologia e economia solidária, comercializando a produção em feira local.
 

            Uma iniciativa de organização social que vem ganhando expressão é a Cooperativa de Produtores Rurais de Juquitiba. Ela foi reativada com cerca de 28 associados e está em fase de reestruturação para atuar em cinco cadeias de produção orgânica: apicultura, piscicultura, hortaliças, fruticultura e fungicultura.
 

            Na região de Parelheiros, porção sul do município de São Paulo, houve em 2011 a criação da Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa de São Paulo (Cooperapas), que agrega aproximadamente 36 agricultores familiares. Uma parte da produção é comercializada para a Fundação Mokiti Okada e nos Parque Água Branca e Burle Marx, duas feiras voltadas a alimentos orgânicos no município de São Paulo.
 

            Em maio passado, foi anunciado pela prefeitura de São Paulo, no Seminário de Agricultura Urbana ocorrido na 8ª Feira Internacional de Produtos Orgânicos e Agroecologia, mais um canal de comercialização que poderá beneficiar as cooperativas de agricultores. Está prevista a instalação de uma feira de produtos orgânicos no Parque do Ibirapuera.
 

            A consolidação de organizações de agricultores familiares urbanos e periurbanos na RMSP passa pela criação e/ou fortalecimento de políticas públicas municipais e estaduais destinadas a:

1. Realizar estudos de viabilidade técnica e econômica;

2. Realizar estudos para acesso a mercados consumidores;

3. Produzir e fornecer mudas e sementes orgânicas;

4. Promover a educação ambiental e a divulgação da legislação ambiental;

5. Fortalecer ações como o Projeto Guarapiranga Sustentável e Protocolo de Boas Práticas Agroambientais10;

6. Oferecer assistência técnica agroecológica que viabilize a transição agroecológica para produção orgânica;

7. Oferecer canais para a comercialização da produção agrícola familiar;

8. Oferecer programas e linhas de crédito e seguro rural que beneficie as cooperativas de agricultores familiares;

9. Oferecer cursos de capacitação para difusão de tecnologias sociais voltadas à produção agroecológica;[

10. Promover conscientização sobre a importância do consumo de alimentos saudáveis e diversificados;

11. Apoiar o processo de certificação da produção orgânica;

12. Incentivar a participação das organizações dos produtores em editais para captação de recursos, a exemplo do Projeto MicroBacias II, e editais dos Ministérios de Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário;

13. Incentivar a cadeia de produção de espécies nativas: frutas, plantas medicinais, entre outras;

14. Incentivar a formação de redes e a intercooperação entre as cooperativas de agricultores familiares.
 

            Certamente, estimular a criação, organização e viabilidade das cooperativas populares na agricultura contribuirá para dar maior autonomia e inserção dos agricultores familiares no mercado de produtos agrícolas. E, igualmente, deverá promover um desenvolvimento local sustentável com práticas de comércio justo e produção orgânica e agroecológica, aliado a maior soberania alimentar.

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1Projeto cadastrado no SIGA NRP 3724, 'Caracterização da agricultura familiar metropolitana: uma tipologia das experiências de associativismo e cooperativismo em municípios selecionados da RMSP'.

2ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA - UNESCO. Escolas Associadas da UNESCO. Resolução A/RES/64/136: as cooperativas no desenvolvimento social. Brasil, 2012. Disponível em: <http://www.peaunesco.com.br/coop2012/resolution.htm>. Acesso em: maio 2012.

3______. Escolas Associadas da UNESCO. Ano Internacional das cooperativas - 2012. Disponível em: <http://www.peaunescosp.com.br/ano_inter/ano_cooperativa/ano_internacional_das_cooperativas.pdf>. Acesso em: maio 2012.

4Op cit. nota 3.

5AGÊNCIA SENADO. Ministro Pepe Vargas pede regra simples para cooperativa familiar. Brasília: Agência Senado, 25 maio 2012. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/jornal/edicoes/2012/05/25/ministro-pepe-vargas-pede-regra-simples-para-cooperativa-familiar>. Acesso em: maio 2012.

6ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS - OCB. Principais números/ações .Brasília,2012.Disponívelem:<http://www.ano2012.coop.br/default.php?p=texto.php&c=quemsomos_principaisnumeros>. Acesso em: maio 2012.

7REVISTA EXAME. Melhores e maiores. Edição especial. São Paulo: Editora Abril, jul. 2011.

8SINGER, P. Economia solidária: entrevista com Paul Singer. Estudos Avançados, São Paulo, v. 22,
n.62, jan./abr. 2008.

9GLOBO RURAL. Produtores de mel do Piauí esperam safra recorde este ano. G1 Economia, São Paulo, 08 nov. 2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2011/11/produtores-de-mel-do-piaui-esperam-safra-recorde-este-ano.html>. Acesso em: maio 2012.

10SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE - SMA. Projeto Guarapiranga Sustentável elabora protocolo de boas práticas agrícolas. São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam2/Default.aspx?idPagina=8189>. Acesso em: maio 2012.
 
 

Palavras-chave: cooperativismo, agricultura familiar, economia solidária, agroecologia.

 

Data de Publicação: 19/06/2012

Autor(es): Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Clovis José Fernandes de Oliveira Junior (floraacao@gmail.com) Consulte outros textos deste autor