Preços do leite: euforia ou cautela?

            Em 2007, o comportamento do mercado de leite e derivados tem se mostrado extremamente positivo para o produtor, resultando em euforia no setor, que nesta entressafra está sendo beneficiado com o recebimento de melhores preços pelo produto.

            O fato levou alguns pecuaristas, que haviam abandonado a atividade, a retomarem o negócio e muitos a investirem mais na atividade, com a expectativa de que ela tome novo rumo a partir deste momento.

            Na realidade esta entressafra tem características bastante peculiares. Não apenas a diminuição das pastagens, devido à seca, vem influenciando o mercado, como ocorre normalmente, mas também fatores conjunturais e estruturais têm contribuído para a melhora da renda do produtor.

            A avaliação do mercado de leite nesses primeiros meses de 2007 aponta vários aspectos que vêm interferindo favoravelmente para que os preços do produto dispare, tanto para o produtor como para o consumidor:

1 - Dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA), em São Paulo, mostram que houve elevação, de março de 2006 a março de 2007, de 41,7% no preço do farelo do algodão. Na mesma fase a ração do bovino em lactação aumentou 11,4%. Esses comportamentos são confirmados pelas estatísticas da Embrapa Gado de Leite que, para o mesmo período, mostram que para o farelo o aumento foi de 22,9% e para a ração para a vaca em lactação, 15,6% acima do preço do leite ao produtor.

2 - A elevação dos preços do milho no mercado interno foi de 42,4% no período, segundo dados do IEA. A soja também teve um aumento, da ordem de 23,8%.

3 - A entrada da entressafra, com o frio e o clima seco, diminuiu a produção de pastagens, que teve como conseqüência a queda de oferta do produto.

4 - No mercado internacional os preços do leite dispararam e não há previsão de quando terá fim essa tendência altista. Na Oceania houve alta de 20% em dólar, nos primeiros meses do ano, e na Europa a variação foi de 19%. A seca da Austrália, que afetou a produção do país, teve peso forte no mercado, assim como a redução dos subsídios europeus para exportações de leite em pó e a queda de seus estoques públicos. Esses fatos restringiram a oferta mundial de leite.

5 - O aumento dos preços internacionais serviu de estímulo ao aumento das exportações brasileiras de lácteos, aproveitando a carência do produto no mercado internacional, o que aumentou a procura pelo produto e diminuiu sua disponibilidade interna.

6 - A disputa interna entre laticínios, pela escassa matéria-prima tanto para o mercado interno como externo, pressionou favoravelmente o preço pago ao produtor.

7 - Alta significativa dos preços no mercado spot. Há mercados em que o preço do litro de leite alcançou R$1,10, o que em relação ao mês de janeiro de 2007 representou 220% de aumento.

8 - O crescimento da demanda mundial de leite, provocada pelo incremento da renda russa, dos países do Leste Europeu e de países em desenvolvimento, como a China, sem o acompanhamento do crescimento da oferta.

9 - A suspensão temporária das exportações de leite em pó pela Índia e a imposição de tarifas na exportação da Argentina.

            Frente a isso já se percebe uma desaceleração dos preços, tendendo à estabilização, que pode estar relacionada à queda no consumo, por conta dos altos preços e das férias escolares. Esta é uma das possibilidades do aumento de estoques no varejo. Porém, além disso, foi fundamental a forte ação estratégica do varejo (supermercados), setor que detém grande poder no mercado, que forçou a venda do leite em suas lojas a preços mais baixos para tentar uma redução geral.

            Pela análise dos preços médios recebidos pelos produtores de leite C, no Estado de São Paulo, nos últimos quatro anos, vê-se que houve um crescimento considerável a partir de junho de 2007, chegando no mês de julho a 18,9% acima do preço de julho de 2005, quando havia alcançado o valor mais alto desde 2004 (Tabela 1). Em relação a 2006, a variação chegou a 34%.

            No caso do leite tipo B, em 2007, a elevação dos preços foi menor que para o tipo C. Observa-se que em junho os preços foram iguais aos de 2005, sendo superados apenas em julho, quando ficaram 15,2% acima do melhor preço desde 2004 (Tabela 2). Comparando com o preço do ano anterior, tem-se uma variação positiva de 28%.

            Os dados confirmam que 2007 está extremamente favorável e atípico para a produção leiteira.

Tabela 1 - Preços Médios Mensais Recebidos pelos Produtores de Leite Tipo C e Variação Anual, Estado de São Paulo, Janeiro a Julho de 2004 a 2007

 Ano
Jan.
Fev.
Mar.
Abr.
Maio
Jun.
Jul.
R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

2004
0,43
-
0,41
-
0,42
-
0,42
-
0,44
-
0,46
-
0,49
-
2005
0,49
14,0
0,50
22,0
0,51
21,4
0,51
21,4
0,53
20,4
0,54
17,4
0,53
8,1
2006
0,40
-18,4
0,39
-22,0
0,40
-21,6
0,42
-17,6
0,44
-17,0
0,45
-16,7
0,47
-11,3
2007
0,46
15,0
0,46
17,9
0,46
15,0
0,49
16,6
0,52
18,2
0,57
26,7
0,63
34,0
Fonte: Instituto de Economia Agrícola.
 


Tabela 2 - Preços Médios Mensais Recebidos pelos Produtores de Leite Tipo B e Variação Anual, Estado de São Paulo, Janeiro a Julho de 2004 a 2007

 Ano
Jan.
Fev.
Mar.
Abr.
Maio
Jun.
Jul.
R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

R$
Var.

anual %

2004
0,50
-
0,47
-
0,49
-
0,50
-
0,52
-
0,52
-
0,56
-
2005
0,57
14,0
0,56
19,1
0,57
16,3
0,58
16,0
0,59
13,5
0,60
15,4
0,59
5,4
2006
0,50
-12,3
0,48
-14,3
0,49
-14,0
0,50
-13,8
0,51
-13,6
0,52
-13,3
0,53
-10,2
2007
0,53
6,0
0,53
10,4
0,54
10,2
0,56
12,0
0,58
13,7
0,60
15,4
0,68
28,3
Fonte: Instituto de Economia Agrícola.
 
 

            O mercado interno ficou "enxuto" devido à pouca oferta, relacionada ao período de seca nas regiões produtoras; à oportunidade de aumento das exportações, devido à falta do produto no mercado externo e ao aumento do consumo mundial.

            Em relação às exportações, é importante considerar, no entanto, que para o leite em pó estão limitadas pela capacidade industrial de converter leite fluido em pó e pelas condições adversas de algumas empresas de exportar.

            Apesar de o cenário mundial ser extremamente positivo, deve-se ter em conta que a Austrália, país essencialmente exportador, deverá recuperar sua produção e voltar ao mercado. Também é pertinente lembrar que a expansão do consumo mundial abrirá mais espaço no mercado internacional, o que poderá ser extremamente benéfico ao Brasil.

            A competitividade brasileira dependerá da capacidade de o país manter os mercados conquistados em 2007, com preços competitivos e melhora da qualidade de nosso produto.

            No mercado interno, é fundamental um marketing bem feito que dê ao consumidor informações sobre o produto leite e derivados e crie a possibilidade de consumo, incentivado pelo acesso facilitado ao produto (maior visibilidade).

            Outro aspecto diz respeito à organização do setor. Vencer as pressões do varejo, para colocar produtos a preços baixos, exige organização e visão de cadeia produtiva. Só assim se poderá combater o oportunismo das grandes redes.

            Um fator que também merece destaque é a carência de maior profissionalismo do setor que precisa trabalhar com contratos entre laticínios e produtores, para obter não só a fidelidade do pecuarista, mas estabelecer critérios de pagamentos mais justos pelo leite. Há ainda a necessidade do incentivo de pagamento por qualidade.

            O cenário descrito mostra um momento extremamente positivo para o negócio leite, principalmente para o produtor, mas há de se considerar que este momento é atípico e que os preços não deverão ser mantidos em patamares tão elevados.

            Existem inúmeros aspectos conjunturais, como a entressafra, a seca da Austrália, a elevação dos preços do farelo do algodão, da ração e do milho, que estão favorecendo o mercado, mas que ao se extinguirem levarão a uma redução de preços.

            Ao mesmo tempo há fatores estruturais que podem possibilitar uma redução menor. Estes estão relacionados à maior demanda dos países em desenvolvimento e do mercado interno com a melhora do nível de emprego e da renda.

            Dessa forma, o bom senso pede cautela, pois uma expansão da produção, com base no estouro atual dos preços, resultado de uma demanda aquecida por fatores diferenciados, pode trazer problemas futuros de colocação do produto, pois não só a Austrália voltará em breve ao mercado como há ainda problemas a serem resolvidos como o da capacidade de conversão do leite fluido em leite em pó, item de maior importância na pauta exportadora do segmento.
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Palavras-chave: leite, entressafra, preços altos, mercado interno e externo.


Data de Publicação: 15/10/2007

Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor